quarta-feira, 6 de março de 2024

Poesia de Cacaso emerge nas águas de tributo aos 80 anos do letrista que versou sobre calmarias e tempestades da alma humana

 Faixa de Carlinhos Vergueiro é o ponto alto de disco que também destaca gravações de Joyce Moreno, Ney Matogrosso, Edu Lobo, Luísa Lacerda, Filó Machado e Alaíde Costa.



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05/03/2024 11h29 

Resenha de álbum

Título: Cacaso 80 anos

Artista: Alaíde Costa, Camilla Faustino, Carlinhos Vergueiro, Claudio Nucci, Edu Lobo, Eduardo Gudin, Filó Machado, Joyce Moreno, Leila Pinheiro, Luísa Lacerda, Ney Matogrosso, Rosa Emilia Dias, Toquinho e Zé Renato

Edição: Kuarup

Cotação: ★ ★ ★ ★

“Quando o mar tem mais segredo / Não é quando ele se agita / Nem é quando é tempestade / Nem é quando é ventania / Quando o mar tem mais segredo / É quando é... calmaria”.

♪ Apresentados pela cantora Marília Barbosa em 1975 e amplificados no ano seguinte pela voz grave de Maria Bethânia, em gravação feita para o álbum Pássaro proibido (1976), os versos de Amor amor exemplificam a habilidade do compositor mineiro Antônio Carlos Ferreira de Brito (13 de março 1944 – 27 de dezembro de 1987), o Cacaso, para conciliar simplicidade e profundidade em letras de música banhadas em poesia.

Parceria de Cacaso com Sueli Costa (1943 – 2023), autora da bela melodia, a canção Amor amor infelizmente está ausente do repertório do tributo fonográfico idealizado e produzido por Renato Vieira para festejar os 80 anos que Cacaso completaria no próximo dia 13.

Editado pela gravadora Kuarup, com capa que expõe o poeta mirando a calmaria do mar em foto de Bira Carneiro (do acervo pessoal de Rosa Emilia Dias e Pedro Landim), o álbum Cacaso 80 anos chega ao mundo digital na sexta-feira, 8 de março, com outras 12 músicas desse compositor letrista que emergiu na MPB na década de 1970 e que saiu precocemente de cena, aos 43 anos, ao fim de 1987.

Sem inventar moda para “atualizar” a obra de Cacaso, o disco flui bem em molde tradicional. A abertura é em ritmo de samba com Joyce Moreno dando voz à até então inédita letra original de Gente séria, parceria de Cacaso com Joyce criada entre 1976 e 1977.

Com versos que tangenciam a mordacidade, Cacaso molda retrato das contradições do Brasil, país que tem “céu estrelado, papo furado, descalabro e deputado”. Com voz e violão, além do tamborim e do caxixi percutidos pelo baterista Tutty Moreno, Joyce recupera tanto a letra original de Gente séria quanto canta, em outra faixa, a letra alterada pelo próprio Cacaso para ser apresentada por Emílio Santiago (1946 – 2013) no álbum Ensaio de amor (1982).

Na sequência, também munido de voz e violão, Zé Renato mergulha novamente em Fonte da vida (1982), parceria com Cacaso que deu batizou o primeiro álbum solo do cantor projetado em 1979 como vocalista do grupo Boca Livre.

Gravado entre abril e dezembro de 2023, o disco ganha relevo quando introduz cantores no universo poético de Cacaso. É o caso de Ney Matogrosso, que grava o letrista pela primeira vez, dando a (boa) voz dos 82 anos à parceria do poeta com Djavan, Lambada de serpente (1980), em gravação feita com piano, arranjo e direção musical de Alexandre Vianna.

Camilla Faustino também debuta no cancioneiro de Cacaso, com correção, mas sem um toque a mais, ao cantar Francamente (1980) em dueto com Toquinho, parceiro de Cacaso na canção reouvida em gravação conduzida pelo violão do próprio Toquinho.

Falta à faixa o brilho de Perfume de cebola (1984), samba temperado com o aroma jazzístico de Filó Machado, cantor e violonista da regravação dessa música que o artista compôs com Cacaso e que lançou há 40 anos. Filó cai em suingue que evoca os balanços de Joyce Moreno e João Bosco.

Em universo mais camerístico, Alaíde Costa imprime classe em Dentro de mim mora um anjo (1975), parceria de Cacaso com Sueli Costa, intérprete original dessa grande canção amplificada na voz de Fafá de Belém em gravação do álbum Banho de cheiro (1978). A abordagem do tributo une o canto de Alaíde ao toque do piano de Alexandre Vianna.

Além da providencial economia financeira, a opção por arranjos minimalistas – geralmente calcados em um ou dois instrumentos – contribuiu para evidenciar a poesia das letras de Cacaso. É o que acontece na gravação de Refém (1981), ponto mais alto do disco.

“Eu nunca amei a ninguém / Nunca devi um vintém / Nem encontrei minha trilha / Eu me perdi muito além / Sendo meu próprio refém / Na solidão de uma ilha”, reavalia Carlinhos Vergueiro ao refazer o balanço existencial de Cacaso nessa que foi a única parceria do poeta com Vergueiro, gravada pelo cantor no álbum Passagem (1981). Na pungente regravação de Refém, o canto do intérprete se afina com a refinada trama dos violões tocados por Luiz Maranhão e o próprio Vergueiro.

Também é de 1981 o samba-canção Alma, uma das três parcerias de Eduardo Gudin com Cacaso. Gudin reanima Alma com voz, violões e a melancolia entranhada nos verso de uma das letras com menor teor de poesia no cancioneiro de Cacaso.

Na sequência, com voz e violões, Claudio Nucci desanuvia o clima com a lembrança de As coisas (1984), tema em cuja letra Cacaso – dono de poesia quase sempre densa – se permitiu fazer graça com versos como serelepes como “A vaca avacalhou / A banana embananou / A sombra assombrou / O raio raiou / O piru pirou”.

Com o toque dos próprios teclados, Leila Pinheiro adensa novamente o disco ao revisitar Triste baía da Guanabara (Novelli e Cacaso, 1980) com a habitual correção.

Em momento luminoso e sofisticado, Edu Lobo e Luísa Lacerda fazem da tristeza senhora no registro da canção O dono do lugar (1976), parceria de Lobo com Cacaso revivida com piano, arranjo e direção musical de Cristovão Bastos. Outro ponto alto.

Completa o repertório do álbum Cacaso 80 anos uma gravação já pré-existente de Árvore mágica pela cantora e compositora Rosa Emilia Dias, parceira de Cacaso na música e na vida. Árvore mágica foi lançada por Rosa no álbum Ultraleve (1988) e regravada pela artista, 30 anos depois, no álbum Madrigal (2018).

É este fonograma de 2018 que é rebobinado no bem-vindo tributo ao octogenário Cacaso, letrista que banhou a música brasileira de poesia, expondo em versos as calmarias e as tempestades da alma humana.

Merecida homenagem! 👏🏽

Os novos, e bons, cantantes bem que merecem conhecer Cacaso, que como muito bem escrito no ótimo texto, "banhou a música brasileira de poesia, expondo em versos as calmarias e as tempestades da alma humana". 

Como intérprete imersa e curiosa da boa MBP, que sempre que gostava de uma música imediatamente procurava saber quem era o seu autor, pois que a letra sempre me tocou antes da melodia (se a poesia era boa, a melodia haveria de ser),   também já cantei suas belas obras feitas em parceria, que alegria! Cacaso, musicalmente presente! 🎼

Tânia Maria - cantora, atriz e professora de teatro.

Cacaso


Cacaso
Nascimento13 de março de 1944
UberabaBrasil
Morte27 de dezembro de 1987 (43 anos)
Rio de JaneiroRJ, Brasil
Nacionalidadebrasileiro
Alma materUniversidade do Estado da Guanabara
Ocupaçãoprofessor, letrista, poeta

Antônio Carlos de Brito, conhecido como Cacaso (Uberaba13 de março de 1944 — Rio de Janeiro27 de dezembro de 1987),[1] foi um professor universitárioletrista e poeta brasileiro.[2]

Vida e Obra

Depois de viver no interior de São Paulo, mudou-se aos onze anos para o Rio de Janeiro, onde estudou Filosofia e, nas décadas de 1960 e 1970, lecionou Teoria da Literatura e Literatura Brasileira na PUC-RJ. Foi colaborador regular de revistas e jornais, como Opinião e Movimento, tendo, entre outros assuntos, defendido e teorizado acerca do cenário poético de seus contemporâneos, a geração mimeógrafo, criadores da dita poesia marginal, que ganhou publicidade com a antologia 26 poetas hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda, com quem Cacaso, em janeiro de 1974, escreveu o artigo "Nosso verso de pé quebrado", no qual fazem uma síntese das poéticas de então. Seus artigos estão reunidos em Não quero prosa, publicado em 1997.

Com grande talento para o desenho, já aos 12 anos ganhou página inteira de jornal por causa de suas caricaturas de políticos. Antes dos 20 anos veio a poesia, através de letras de sambas que colocava em músicas de amigos como Elton Medeiros e Maurício Tapajós.

Como poeta estreou em 1967, com o livro A palavra cerzida, prefaciado por José Guilherme Merquior,[3] por representar junto de Francisco Alvim a primeira geração "pós-vanguarda". Em 1974, lança Grupo Escolar, pela coleção Frenesi, composta também dos livros Passatempo, de Chico Alvim, Corações veteranos, de Roberto SchwarzEm busca do sete-estrelo, de Geraldo Carneiro, e Motor, de João Carlos Pádua. Cacaso une-se então a outros poetas, como Eudoro AugustoCarlos Saldanha e Chacal (Ricardo de Carvalho Duarte), formando a coleção Vida de Artista, pela qual lançou Segunda classe (em parceria com Luiz Olavo Fontes) e Beijo na boca, ambos em 1975. Depois vieram Na corda bamba (1978), Mar de mineiro (1982) e Beijo na boca e outros poemas (1985), que reunia uma antologia poética da obra do autor. Seus livros não só o revelaram uma das mais combativas e criativas vozes daqueles anos de ditadura e desbunde, como ajudaram a dar visibilidade e respeitabilidade ao fenômeno da "poesia marginal", em que militavam, direta ou indiretamente, amigos como Francisco Alvim, Heloísa Buarque de HollandaAna Cristina Cesar, Charles Peixoto, ChacalGeraldo CarneiroZuca Sardan e outros.

No campo da música, os amigos/parceiros se multiplicavam na mesma proporção: Edu LoboDjavanTom JobimToquinhoOlívia ByingtonSueli Costa, Cláudio Nucci, NovelliNelson AngeloJoyce MorenoToninho HortaFrancis HimeSivucaJoão DonatoEduardo Gudin e muitos mais.

Faleceu no dia 27 de dezembro de 1987, em consequência de um infarto do miocárdio. Foi sepultado no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro.[4]

Em 2002, veio a público Lero-lero, sua obra completa, incluindo, além dos livros citados, letras e poemas inéditos.[5]

O documentário biográfico Cacaso - Na Corda Bamba foi lançado em abril de 2016.[6]

Cacaso é tio do jornalista e apresentador Zeca Camargo.

Livros publicados

Filmografia

Referências


Na Rádio Batuta

6.3.2024

O anjo malandro

Em 1965, aos 21 anos, Cacaso teve sua primeira letra gravada, uma parceria com Maurício Tapajós, amigo dos tempos de colégio. Daí para frente, construiu uma obra diversificada nos estilos e nos melodistas, como se pode ter ideia pelo repertório abaixo. Um parceiro marcante foi Djavan. Otavio Filho mostra que o observador atento do cotidiano do Rio se manteve herdeiro da vida rural que o criou. O matuto, o citadino, o popular, o erudito se juntaram num artista singular, cuja obra não perdeu a força.

https://radiobatuta.ims.com.br/especiais/cacaso-sem-fim

O fazendeiro do mar

Rosa Emília Machado Dias, segunda companheira de Cacaso e mãe de seu segundo filho, é personagem fundamental deste episódio. Ela recorda o bom momento que o poeta estava atravessando quando morreu precocemente e retrata sua personalidade. Otavio Filho apresenta características da vida e do trabalho do letrista e destaca outras parcerias.


A Batuta teve acesso à hoje esquecida entrevista com Antônio Carlos de Brito, o Cacaso (1944-1987). Ele fala, entre outros temas, de poesia marginal, então em voga e agora, a partir de 9 de agosto, tema de exposição no IMS. “A poesia marginal mistura o desamparo editorial do artista com uma ideologia que surgiu depois de 1968,  uma ideologia de rebeldia, um pouco anarquista, e que tem muito a ver com a dissolução da cultura brasileira que se processou nos últimos anos”, afirma Cacaso, para quem, naquela época, a poesia marginal “começou a dar status, virou passaporte para o sucesso”. Ele lê poemas, compara versos escritos com versos de música e apresenta algumas de suas composições, como a primeira delas, Carro de boi, lançada por Os Cariocas e regravada por Milton Nascimento.

A reprodução deste programa foi autorizado pela EBC (Empresa Brasil 

Artimanha com Chacal e Cacaso
Literatura em voz alta
6.8.2013

Artimanha com Chacal e Cacaso







    





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