quinta-feira, 30 de maio de 2024

CORPUS CHRISTI & OUTROS CORPOS. ALÉM DO FERIADO. Romero Venâncio, Chico Alencar, Pe. Anderson Gomes & Marcelo Barros.

 

“Senhor, é mais fácil reconhecer a tua presença na hóstia consagrada do que nos milhares de irmãos e irmãs miseráveis que sofrem e penam pelas ruas e cortiços do mundo. Como poderemos passar pelas ruas, com o pão, sinal da tua presença para um mundo novo e de partilha, indiferentes aos adultos e crianças que jazem abandonados no chão?


Dá-nos a graça de adorar a tua presença no pão da Eucaristia, de modo que possamos te reconhecer e honrar em cada ser humano, especialmente nos irmãos e irmãs mais marginalizados”.


  - Dom Helder Câmara

CORPUS CHRISTI & OUTROS CORPOS. ALÉM DO FERIADO. Romero Venâncio

O dia litúrgico de "Corpus Christi" é um feriado no Brasil. Mesmo para quem não é religioso católico, esse feriado acaba tendo sua particular sacralidade. O descanso do Corpo. Nosso corpo tem limites. Não precisamos ser de alguma religião para sabermos dessa sabedoria.

Segundo os historiadores da Igreja, "Corpus Christi" foi celebrado pela primeira vez em 1247, na Diocese de Liége. Em seguida, o Papa Urbano IV instituiu a celebração numa bula publicada no dia em setembro de 1264. Em síntese, a solenidade de "Corpus Christi" significa então a festa do Corpo de Cristo. Internamente ao catolicismo, uma festa em memória da "Eucaristia", o pão-corpo de Cristo. Do século XIII europeu para cá, a festa continuou, intensificou-se, virou disputa interpretativa em grande parte da modernidade ocidental.

A festa do corpo de Cristo no Brasil ganhou uma dimensão popular interessante. Diversas cidades do país, têm o hábito de preparar tapetes para a procissão de "Corpus Christi" onde a tradição popular serve para expressar o amor e o carinho do povo católico e curiosos à presença de Jesus vivo na Eucaristia. A riqueza do catolicismo popular brasileiro sempre redefiniu e ressignificou os modelos tridentino e romanizado do catolicismo vivido pelas pessoas mais simples espalhadas no Brasil. 

Vivemos nas últimas décadas do catolicismo no Brasil uma "onda tradicionalista" que deseja a volta de uma tradição tridentina "iluminada" pelo Concílio Vaticano I e toda uma prática que beira ao anacronismo em pleno Século XXI. Atinge todas as idades dentro do catolicismo e tem crescido devido as redes digitais muito bem utilizadas individualmente ou em grupo. O tradicionalismo na Igreja Católica foi muito bem estudado pelo professor de ciências da religião da PUC/SP João Décio Passos em seu: "A força do passado na fraqueza do presente" (Paulinas, 2020). Nem precisa dizer que o Papa Francisco e o Concílio Vaticano II viraram o alvo de críticas ferrenhas dessa gente. A festa de "Corpus Christi" em todo esse tradicionalismo, fica reduzida a celebração solene da eucarística e uma "adoração ao santíssimo" sem fim. Não passa de devocionalismo. O corpo de Cristo torna-se um "fetiche", uma "mistificação". 

O grande desafio teológico é pensar o "corpo de Cristo" em outros corpos e em dias atuais. O corpo humano em sua sacralidade aviltada representa o aviltamento do "corpo de Cristo". Corpos esmagados pelo trabalho brutalizado, corpos abandonado nas ruas, corpos juvenis sem sentido e perdido no hedonismo, corpos de tantos pobres condenados a fome num sistema produtor de mercadorias... Fazer do "corpo de Cristo" um corpo que traga esperança a tantos/tantas desesperados num mundo sem transcendência, seria uma evangelização necessária de uma "Igreja em saída". 

Uma frase de um filósofo contemporâneo que pode nos fazer pensar mais fundo sobre a "festa do Corpus Christi" em nossos dias:

"O capitalismo, em contrapartida, faz da própria festa mercadoria. A festa se transforma em eventos e espetáculos. Carecem de repouso contemplativo" (Byung-Chul Han. In: "Vita contemplativa. Ou sobre a inatividade". Vozes, 2023).

O filósofo Sul-coreano/alemão nos faz entender toda festa como descanso do corpo. Alegria do corpo não reduzido a uma lógica mercantil. Cabe a todos/todas interessados numa "festa de Corpus Christi" entender que esse "corpo/Cristo" não pode ficar internado num devocionalismo mecânico inócuo. O corpo-Cristo tem que ser um corpo que fala fundo a outros corpos.  O corpo que sofreu implacavelmente, também ressuscitou. 

Romero Venâncio (UFS)


CORPUS CHRISTI, CORPO DE DEUS: NOSSOS CORPOS E O DA TERRA. Chico Alencar

É bonito ver aqueles cada vez mais raros tapetes de serragem, areia e cores nas ruas de algumas cidades, celebrando "o cálix bento e a hóstia consagrada".
O pão e o vinho, que Jesus consagrou e compartilhou. Germinação do trigo e da videira. Que, pelo trabalho humano, transformou-se em alimento e bebida. No próprio corpo torturado e redivivo do Cristo: que símbolo potente! (Marcos 14, 12-16, 22-26).
Corpus Christi é a festa dos elementos, de tudo o que nos constitui. Somos as dádivas que comemos, que respiramos, que enxergamos. Somos as partículas fisico-químicas presentes nos corpos estelares, nos vegetais, nos minerais, em tudo o que pulsa. Em nós: "tudo o que move é sagrado".
Corpus Christi é um chamado para "enxergar o mundo num grão de areia/ e o céu numa flor do campo./ Segurar o infinito na palma da mão/ e a eternidade numa hora" (William Blake, 1757-1827).
Corpus Christi é sim um "habeas corpus": o planeta liberto e bem tratado na hóstia consagrada. E ela, comungada, nos livrando das angústias, das ansiedades, das culpas. Resgatando corpos feridos - os nossos, estressados, intoxicados pelo consumismo ou agredidos pela injustiça; os do planeta exaurido.
Esse feriado, cujo significado poucos conhecem ou querem saber, é a celebração da integridade da Criação. Antídoto às continuadas iniciativas dos egos inflados, das ganâncias insaciáveis e sugadoras, da força corrosiva da grana, da exploração de poderes autocráticos, das guerras genocidas.
A energia amorosa presente na natureza (às vezes revoltada!), simbolizadas no pão e no vinho enfim repartidos, triunfará!
Cuidemos, comunguemos, congreguemos, reintegremos!

A epifania do corpo.  Pe.  Anderson Gomes

Portinari - Criança morta, 1944

 A cultura atual banaliza e reduz o corpo humano a um objeto que pode ser desfeito, queimado, violentando sem piedade. O desafio é encontrar o sentido do nosso corpo nesses corpos desfeitos que são parte de nós. Ecoa as palavras de Grada Kilomba, voz original: um corpo sem cárceres nestes dias de violência. Existe dentro de nós forças violentas que nos habitam. 

Nossos corpos são colonizados, consumação nua e crua da banalidade do mal de Hannah Arendt. Como celebrar a festa do Corpo e Sangue de Cristo nessa hora da vida? Com tanta fome, tanta desnutrição, tantos corpos jogados pelo caminho? O mundo é Monte das Oliveiras que Ele caminha, pleno e ferido de Amor. A ferida é epifania que nos chama a não nos conformarmos com a psicologia invertida da nossa caminhada rumo ao Céu. 

É fácil observar que nesta hora o Maná que o Deus da vida derrama sobre nós são os corpos inocentes que morrem fugindo das suas pátrias, são os humildes que buscam suas cirurgias e com corpos jogados nos hospitais públicos, eles aguardam em lágrimas a cirurgia tão esperada que há meses não consegue. Hoje uma mãe se aproximou do meu corpo e se derramava em lágrimas e Jesus na custódia chorava e o silêncio que rasgou a tarde da sexta santa bradava nesta manhã. O véu do santuário se rasgou. Os corpos são enterrados sem dignidade, buracos são cavados para jogarem os excluídos desse mundo. Os cristãos desaprenderam a veste da hospitalidade. Fomos mal educados no cuidado com nosso corpo, talvez nossa herança que atrofiou os nossos sentidos nos ajudou a gerar jovens bélicos, políticos sem alma e sem civilidade. 

Neste dia de Corpus Christi não basta uma fé intelectual, autoafirmativa e desprovida de gestos de lava-pés. Falta-nos liturgia belas, simples e profundas. O rigor formal do gesto no rito é sempre vazio, ritual no cristianismo é mergulho na fonte, a liturgia não é um colete de forças que nos sufoca. Rezo essa espiritualidade banal que faz colônias de corpos que perderam o gosto da partilha, a educação se tornou uma violência dita civilizada que afasta os sedentos e os corpos feridos. Volto a Grada com sua potente voz, quase inaudível e que cura nosso corpo cansado e sem rumo. Cura os genocidas de todos os tempos, desde aqueles que bateram no Corpo de Jesus inocente e manso. 

No início do século XXI temos uma das piores gerações (pior como não abertura ao vir a ser em Cristo, Corpo Inteiro), vozes que sufocam o mundo com seus gritos covardes e de guerra. Violência e manipulação não combinam com Jesus de Nazaré, Corpo inquebrantável, Sudário do mundo ensanguentado. Envergonha ver homens e mulheres que fazem fortunas com o nome pobrezinho, Jesus, Aquele que salva. Nosso mundo carece de pão e corpos saudáveis. Precisamos reencontrar o caminho do Corpo de Jesus. 

O Brasil caminha para se tornar uma Gaza e isso se sinaliza em muitas instâncias da sociedade civil e religiosa. Fermento velho é dominação. Fermento novo é Vida e Corpo que se reparte. O fermento da Eucaristia é inclusão e comunhão com todas as mesas e que nossas mesas não sejam colônias de antropofagia. Que nossos corpos descansem e ressuscitem. Meditemos: "25 Em verdade vos digo, não beberei mais do fruto da videira, até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus". 26 Depois de terem cantado o hino, foram para o monte das Oliveiras." (Mc14). Vosso, Pe. Anderson Gomes


Antonio Cardoso em: a Canção e a Prece – "Se calarem a voz dos profetas”

Antonio Cardoso em: a Canção e a Prece. O cantor, compositor e catequista está presente no Programa Brasileiro da Rádio Vaticano todos os domingos com o espaço especial intitulado "A Canção e a Prece". No programa de hoje: Jesus transforma nossas vidas...

Vatican News

Incomodo de ver, especialmente para aqueles que não se deram conta ainda da grande transformação que Jesus faz em nossas vidas. A sua entrada em Jerusalém dá bem a medida daqueles que fazem festa, gritam “Bendito é o Rei que vem em nome do Senhor, paz na Terra e glória nas alturas”. Com certeza esses têm um olhar, um olhar de quem quer se comprometer com o irmão, de quem vive compromissado com uma comunhão...

"SE CALAREM A VOZ DOS PROFETAS" Autora: Cecília Vaz Castilhos. Ouça AQUI,  AQUI e AQUI. 




Desafios da Eucaristia Hoje - Mc 14,12-16.22-26 (Ano B) por Irmão Marcelo Barros

Na festa de Corpus Christi de 1967, eu era jovem monge e fui participar e até ajudar a missa que o arcebispo Dom Helder Camara celebraria na Concatedral no centro do Recife. Ao chegar na sacristia da Igreja, poucos minutos antes da missa, alguém me falou que o arcebispo parecia doente ou não estava se sentindo bem. Ele parecia visivelmente abatido. Um dos padres foi lhe perguntar se precisava de alguma coisa. A surpresa foi o arcebispo falar em voz alta, para todos que estavam ali escutarem:

— Sim, eu estou angustiado, porque vou repetir as palavras de Jesus na última ceia. Depois dessa missa, vamos sair pelas ruas da cidade em procissão com a hóstia consagrada. Vamos ver muitas pessoas se ajoelhando e se prostrando diante da reserva eucarística. No entanto, essas mesmas pessoas que adoram o Cristo no ostensório dourado, ignoram totalmente a multidão de crianças e adultos, abandonados à própria sorte pelas ruas, jogados como se fossem lixo. O que significa adorar o Cristo, presente na hóstia, se não se reconhece a presença do Cristo nos irmãos abandonados e vítimas da pobreza injusta de nossa sociedade?

Alguém lembrou o refrão de um dos cânticos de uma antiga Campanha da Fraternidade:

O pão da vida, a comunhão,

Nos une a Cristo e aos irmãos.

E nos ensina a abrir as mãos

Para partir, repartir o pão...”

A pessoa que não frequenta Igreja entrou pela porta de uma paróquia na hora da comunhão e estranhou a diferença gritante entre o que esse cântico expressa e a atitude das pessoas que o cantavam. Elas se punham em fila de uma a uma ou de duas a duas. Cabeça baixa e fisionomia contrita, recebiam do padre o pão consagrado. Nenhum sinal de comunidade ou partilha. Nenhuma expressão de comunhão fraterna.

A quem estranha que seja assim, pode-se responder que o cântico veio da Campanha da Fraternidade e de uma visão de Igreja do pós-concílio no Brasil. O rito eucarístico atual na missa, não. O modo como os fiéis recebem, hoje, a comunhão eucarística evoluiu em relação a outras épocas. Já não há mais véu para as mulheres e a maioria não se ajoelha mais para receber a comunhão e nem estende a língua para receber a hóstia. No entanto, mesmo com essas mudanças, a comunhão eucarística ainda não expressa o caráter de assembleia e koinonia (comunhão participativa e igualitária) que seria o espírito da comunhão que esse canto expressa.

Em nossos tempos, mais de 50 anos depois do Concílio Vaticano II, seria importante criar em nossas comunidades uma nova cultura com relação a isso. O que está por trás dessa preocupação não é apenas uma questão de modismo, ou mesmo de uma mera estratégia pastoral – ou metodológica – de agradar aos fiéis mais jovens e mais críticos. É muito mais importante. Trata-se de ser coerente com um dos princípios fundamentais do Concílio Vaticano II: cada comunidade, ao reunir-se para celebrar, deve manifestar plenamente o seu caráter de Igreja.

O Que Significa Isso?

A celebração da Eucaristia deveria ser sinal (sacramento) do modo de ser e de agir da Igreja: assembleia do povo de Deus reunido na unidade divina, na comunhão do Cristo e pela força do Espírito. Cada comunidade pode concretizar isso do seu modo, no seu estilo, de acordo com a sua realidade cultural e sua vocação própria.

No século III, o imperador Diocleciano avisou a uma comunidade cristã de Abilene, no norte da África, que não os perseguiria e eles não seriam condenados à morte se desistissem de celebrar a eucaristia nas vigílias do domingo. Eles responderam ao imperador com uma carta que está transcrita até hoje nos documentos da Patrística: “Sem a eucaristia dominical, não podemos viver”.

No século XIII, São Francisco de Assis, em carta endereçada a toda a sua ordem, chamou a Eucaristia de “a humildade de Deus”. Ali, ele dizia que a humildade de Deus deve tornar humildes aqueles que a celebram e deve ser força e esperança para os humildes da terra (Enzo Bianchi, p. 138).

“Crer no Cristo presente na eucaristia e amar o próximo em cada pessoa humana é uma mesma e idêntica operação” (Maurice Bellet citado por Bianchi, p. 154).

Que essa realidade possa transparecer no nosso modo de celebrar a ceia de Jesus, tanto no rito da Missa, na Igreja Católica, assim como nas celebrações da Ceia do Senhor nas igrejas Evangélicas, como no estilo que damos à celebração.


Xavier Cutajar no facebook 

Igreja de São Judas Tadeu ,localizada no bairro Cristo Rei - Curitiba - Paraná.

Fizeram o tapete do dia Corpus Christi , em solidariedade aos desabrigados do Rio do Grande do Sul





Nenhum comentário: