domingo, 26 de maio de 2024

EM NOME DO PAI/MÃE, DO FILHO/A, DO ESPÍRITO SANTO! Chico Alencar, Pe. Júlio Lancelloti e Marcelo Barros.

Chico Alencar 

"Santíssima Trindade" - Cláudio Pastro (1948-2016)

(Breve reflexão para cristãos ou não)

Hoje, em milhares de comunidades de fé, é celebrada a Santíssima Trindade (Mt, 28, 16-20).

Essa benção - "Em nome do Pai..." - é conhecidíssima. Já a Trindade, três pessoas em uma só, ainda tem muito de mistério. 

No Brasil há inúmeros lugares e templos denominados "Trindade". Mas quantos de seus moradores ou frequentadores sabem do que se trata?

Quando eu era adolescente, estranhava o modo como meu primo Fernando, seminarista, começava as cartas que me enviava: "Salve Deus uno e trino em nossos corações".

Fernando deixou o seminário e até esta vida. Deus me deu a possibilidade de ainda continuar a caminhada e, creio, entender um pouco esse mistério.

O Deus cristão é plural. Tem Criador, Criatura e Espírito Vivificador - o que dá elo, alma e liga a tudo.

O cristianismo é uma religião encarnada: Deus se fez gente como a gente em Jesus de Nazaré, através da humilde família de Maria e José.

Somos seres à procura de nós mesmos, da essência integradora que nos pacifica.

Somos, na dispersão do mundo, bem mais que três: "sou trezentos, trezentos e cinquenta, mas um dia afinal toparei comigo", disse Mário de Andrade (1893-1945).

Antes dele, o inquieto alemão Friedrich Nietzche (1844-1900) já afirmara: "eu sou vários! Há multidões em mim. Na mesa da minha alma sentam-se muitos e eu sou todos eles: um velho, uma criança, um sábio, um tolo...".

Celebrar a Santíssima Trindade é reconhecer o dom unificador do Divino, que abençoa a unidade... na diversidade.

É entender que nosso próprio Deus não se basta. É muitas vezes um "Deus escondido" (a fé é uma aposta no escuro), mas também uma relação, uma negação da solidão e da autossuficiência.

Nós, suas criaturas, somos assim também: muitos em um só, tantas vezes desentendidos de nós mesmos, e sempre interdependentes.

Somos seduzidos pelo egoísmo narcísico que a sociedade capitalista estimula, mas infelizes e neuróticos, ansiosos, quando nos percebemos prisioneiros do ego exacerbado.

Trindade: nosso Deus é um Deus que vai além de si. É conosco, é o Um que  precisa do Outro. Não para uma relação de hierarquia, de mando, mas de amor . O Espírito Santo - a ruah divina, o sopro, o fogo - é amorosidade, harmonia, integração.

Conta Mateus, encerrando seu evangelho, que Jesus Ressuscitado indica um monte na Galileia para encontrar seus discípulos. Pede elevação.

Lá, iluminado, dá a missão, que se estende a nós: ir ao mundo, às gentes, e ensinar um novo jeito de viver, na fraternidade e na justiça, em comunhão com toda a Criação. 

"Eis que estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo". É tão bom sentir essa companhia!


Reflexão da Festa da Santíssima Trindade – (Ano B Mt 28, 16-20) por Ir. Marcelo Barros, OSB
O Mistério Divino – Amor, Diversidade e Inclusão

Depois de haver celebrado o tempo pascal, um domingo depois de Pentecostes, desde a Idade Média, a Igreja de tradição latina celebra a festa da Santíssima Trindade. Foi uma festa criada para que a Igreja pudesse reafirmar que crê em Deus como Trindade una e santa.

Devemos ser livres e capazes de expressar a nossa fé a partir de nossas culturas e da nossa realidade. Não precisamos ficar presos a elaborações teológicas que vieram do Cristianismo ligado ao antigo Império Romano, na época em que os Concílios eram convocados por imperadores e os dogmas eram formulados nos palácios.

O Mistério Divino é Amor Inefável e não pode ser descrito em palavras humanas. Na Idade Média, o Mestre Eckhart, grande místico do Ocidente, afirmava: “Tudo o que você faz e pensa sobre Deus, é mais você do que Ele. Se você absolutiza fórmulas que usa para falar de Deus, está blasfemando. De fato, o que Deus é, nem todos os mestres de Paris conseguem dizer. Se eu tivesse um Deus que pudesse ser compreendido por mim, não gostaria nunca de reconhecê-lo como meu Deus. Por isso, cale-se e não especule sobre Ele. Não lhe ponha roupas de atributos e propriedades. Aceite-o ‘sem ser propriedade sua’.”

Independentemente do dogma cristão, várias expressões religiosas adoram Deus como mistério de unidade e, ao mesmo tempo, de diversidade.

Mãe Stella, Yalorixá do Candomblé, comparava o mistério divino com a água. Quimicamente, a água é uma só (H₂O), mas na realidade se diversifica. A água do rio não é a mesma do mar. A água do copo não é a mesma da chuva. De acordo com a tradição judaica, toda criatura tem em si como fagulhas da Divindade que, ao criar, espalhou fagulhas por todos os seres do universo. Os seres vivos não são divinos, mas são divinizados como obras do amor divino. Entre todos os seres vivos, o ser humano tem por vocação ser imagem e semelhança de Deus, porque somos chamados à comunhão e ao amor, dimensões do próprio ser de Deus.

Os evangelhos mostram Jesus como filho amado de Deus que nos revela o Mistério Divino como Pai que nos dá o seu sopro de vida. Em nós, o seu Espírito, energia maternal de Vida, nos move a transformar este mundo.

O texto do evangelho lido hoje nas comunidades (Mateus 28, 16-20) é o final do relato de Mateus e contém três elementos importantes: 1º - uma revelação nova, 2º - o envio em missão e 3º - uma promessa. 

Os onze discípulos voltam para a Galileia, a região de onde tinham vindo. Era o mundo dos mais pobres, onde a missão de Jesus tinha começado. No monte da Galileia, Jesus fez o seu primeiro discurso e nos deu as bem-aventuranças. Agora, é ali que o Ressuscitado se revelará. É para lá que envia os primeiros discípulos e a todos nós. O texto de Mateus fala dos onze. No entanto, no capítulo anterior, referiu-se às mulheres que seguiam Jesus até a cruz. No início desse capítulo 28, o Anjo da ressurreição se manifesta a elas e o próprio Jesus as envia aos discípulos para irem à Galileia. Certamente, essas amigas e discípulas de Jesus foram junto com os apóstolos. O evangelho diz que, apesar de terem ido ao monte ao encontro do Cristo Ressuscitado, os discípulos duvidavam. Duvidavam de quê? De quem? Se duvidavam, por que, então, foram? Mesmo na dúvida, permaneceram juntos e foram até a Galileia ao monte indicado por Jesus.

Com suas dúvidas, provavelmente aquele pequeno grupo representava a comunidade de Mateus nos anos 80 d.C., dividida com muitas dúvidas e fragilidade. Esses discípulos podem também ser figura de cada um(a) de nós e de nossas comunidades. Nós também vivemos esta experiência de crer e, ao mesmo tempo, duvidar. Jesus não se detém sobre as dúvidas dos discípulos ou sobre as nossas indecisões. A fé não se opõe às dúvidas, mas sim à nossa indiferença e à frieza. Dúvidas, a gente pode ter. O importante é que o evangelho chama a comunidade para voltar às bases e escutar de novo Jesus ressuscitado.

1. Jesus lhes faz a revelação: “Toda autoridade (exousia) me foi dada (pelo Pai)”. O termo grego é diferente de poder (doxa). Autoridade é algo mais interno e inerente à pessoa. Um médico tem autoridade em matéria de saúde. Um militar tem poder. Uma mãe tem autoridade. É em função da autoridade que vem o chamado ao compromisso: “Então, se é assim, vão...”.

2. O envio em missão: Quem de nós escutou essa palavra de compromisso? No mundo atual, emprego compromete profissionalmente. Entretanto, no plano social e espiritual, muitas pessoas participam de grupos. Pertencem a coletivos... Dão o seu nome, mas quase sempre as pessoas dizem: “Sou do grupo na medida do possível, ou seja, quando quero ou quando sinto necessidade”... O tipo de envio que Jesus deu aos discípulos exige compromisso. “Vão fazer discípulos e discípulas em todas as nações...”. Há quem entenda isso como missão religiosa. É importante repetir: Jesus não fundou religião. Nem o projeto divino é Igreja. A Igreja tem sentido se se colocar como instrumento desse projeto maior: o reinado divino no mundo. Isso significa tornar o mundo uma terra de amor compassivo, justiça solidária, libertação de todos(as) e cuidado universal.

Quando Jesus fala em batizar, as pessoas logo imaginam a pia de água benta ou o rio onde padre ou pastor batiza. O termo grego batizar significa mergulhar. Jesus está propondo mais do que um rito. Jesus manda discípulos e discípulas mergulharem as pessoas de todas as nações e culturas no projeto do reino de Deus que Ele tinha ensinado e trazido para o mundo. Não tem sentido o fundamentalismo litúrgico, conforme o qual, se o celebrante do batismo não disser as palavras exatas, Deus deixa de considerar aquela pessoa que está sendo batizada como seu filho querido ou filha querida. Afirmar isso seria falar mal de Deus que é só Amor e Bondade.

O importante é o compromisso que decorre do batismo: “Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho mandado”. O evangelho de João que ouvimos nestes domingos anteriores nos dizia: “O que lhes mando é que se amem uns aos outros, como eu amo vocês”. Este é o envio e aí vem a promessa.

3 . A promessa: “Estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos”.
Logo no início do evangelho de Mateus, José recebe a mensagem do Anjo do Senhor que lhe diz: “O menino que vai nascer se chamará Emanuel, que significa Deus conosco”. Agora, lemos que a última frase do mesmo evangelho é a promessa de Jesus: “Estou com vocês todos os dias, até o fim dos tempos”. Através do Espírito, estou em vocês. Em toda a Bíblia, Deus nunca aceitou se definir. Desde o Êxodo, sempre se apresentou como “Quem eu serei com vocês mostrará a vocês quem sou Eu”. É essa presença amorosa que temos de viver para nós e testemunhar ao mundo.


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