sábado, 4 de maio de 2024

Delírios Utópicos: A Genealogia dos Pontos de Cultura na gestão Gilberto Gil no MinC (2003 a 2008)

Na aurora do séc. 21 d.C., o Brasil raiava no cenário global como um farol, iluminando caminhos para a transformação: “o outro mundo possível” do Fórum Social Mundial (inaugurado em PoA em Junho de 2001), a eleição de Lula para a presidência da República (em 2002) e a nomeação do artista tropicalista Gilberto Gil como Ministro da Cultura (leia seu discurso de posse) davam o tom a uma proposta de renovação radical da cultura brasileira.

“A multiplicidade cultural brasileira é um fato. Paradoxalmente, a nossa unidade de cultura unidade básica, abrangente e profunda também. Em verdade, podemos mesmo dizer que a diversidade interna é, hoje, um dos nossos traços identitários mais nítidos. É o que faz com que um habitante da favela carioca, vinculado ao samba e à macumba, e um caboclo amazônico, cultivando carimbós e encantados, sintam-se e, de fato, sejam igualmente brasileiros. Como bem disse Agostinho da Silva, o Brasil não é o país do isto ou aquilo, mas o país do isto e aquilo. Somos um povo mestiço que vem criando, ao longo dos séculos, uma cultura essencialmente sincrética. Uma cultura diversificada, plural, mas que é como um verbo conjugado por pessoas diversas, em tempos e modos distintos. Porque, ao mesmo tempo, essa cultura é una: cultura tropical sincrética tecida ao abrigo e à luz da língua portuguesa.” (GIL, 2003)

A diversidade pulsava como valor privilegiado das políticas públicas culturais. Navegando contra a standardização imposta pela indústria cultural para consumo das massas, a proposta da Cultura Viva nascia com a diversidade como seu estandarte. Em uma teia hiperconectada, na era da digitalização, a Cultura era convocada a tornar-se uma força concreta para a expansão da participação social nos assuntos que nos interessam em comum. Pulsando no epicentro destes delírios utópicos estavam os Pontos de Cultura.

A utopia foi sintetizada por Célio Turino em seu livro sobre os Pontos de Cultura: “O Brasil de baixo para cima”.  Empoderar na base, des-silenciar os brasileiros costumeiramente silenciados, potencializar a participação social da população usualmente marginalizada – eis alguns dos objetivos dos Pontos. Longe de apenas objeto ou vítima das políticas públicas, longe também de estarem simplesmente abandonadas pelo Estado e entregues ao próprio azar, cada célula do grande organismo de nossa população era convocada a se assumir enquanto cidadão e agente cultural. 

Aquela “cultura do silenciamento” e aquela “inexperiência democrática” criticadas por Paulo Freire, e que a Pedagogia do Oprimido nasceu para remediar, estavam com os dias contados: os Pontos de Cultura seriam um espaço para que nascessem os cidadãos empoderados de sua própria expressão e munidos com as ferramentas para que entrassem de cabeça no século XXI.

Como disse o jornalista Julian Dibbell em matéria da revista Wired, uma das mais importantes publicações do mundo sobre tecnologias, o Brasil era identificado mundo afora como “nação open source”. Um país futurível, navegando rumo ao futuro com a ousadia dos que estão abertos a todos os experimentos e renovações.

Trocando em miúdos, nascia uma cultura viva que queria insuflar a chama do ativismo cidadão – para evitar a proliferação, como diz Turino inspirado em Milton Santos, de “deficientes cívicos”, o que ocorre sempre que há a “dissociação entre cultura e educação” (seminário Inteligência.com, Célio Turino e Viviane Mosé, SESI – Assista na íntegra).  

Na sua gênese, o Ponto de Cultura é pensado em analogia com práticas e saberes ancestrais: Gil, como veremos, os pensava a partir de um horizonte orientalizante e que ia buscar inspiração na acupuntura (o do-in antropológico), mas Turino gosta de falar que a noção remete a Arquimedes de Siracusa, 287 a.C. – 212 a.C.) (o Sr. “eureka!”) quando disse – “me dê um ponto de apoio e uma alavanca que levantarei o mundo.” 

Continue a ler em..... 

 https://acasadevidro.com/pontos-de-cultura/

Nenhum comentário: