terça-feira, 20 de agosto de 2024

“Ler para crescer”, o desafio do Papa Francisco ao mundo inteiro. Romero Venâncio, Papa Francisco (Tony Neves), Zezito de Oliveira e Emerson Sbardelotti

Uma referência básica para entender a vida e as opções pastorais e intelectuais do atual Papa é essa obra pioneira... Neste livro, o autor manifesta uma aproximação original a respeito de toda a literatura sobre Francisco. Mediante uma extraordinária capacidade de busca de fontes e de pesquisa, o texto oferece um sistemático aprofundamento do antecedente cultural e das influências intelectuais que contribuíram para formar a personalidade e o pensamento de Jorge Mario Bergoglio. Trata-se de uma contribuição indispensável para melhor conhecer a personalidade complexa do Papa Francisco, na qual se unem a experiência pastoral, a experiência mística e a intelectual. Assim, o leitor poderá compreender a verdadeira gênese do pensamento de Jorge Mario Bergoglio que, até agora, ficou oculta aos vários intérpretes. (Romero Venâncio) UFS

O incentivo do Papa Francisco, na sua recente Carta sobre a importância da literatura para a formação dos Padres, para a leitura de textos de qualidade, aquilo a que chamamos ‘literatura’ (diz o Papa: ‘refiro-me ao valor da leitura de romances e poemas no caminho do amadurecimento pessoal’), é um desafio lançado ao mundo inteiro. Há que ler para crescer na educação.

Tony Neves, em Jancido - Gondomar

O Papa Francisco decidiu escrever uma Carta sobre a importância da literatura para a formação dos Padres. Depressa chegou à conclusão que o que faz crescer os padres ajuda toda a gente a melhorar os seus conhecimentos e a qualidade da relação com todos. Assim, este incentivo do Papa para a leitura de textos de qualidade, aquilo a que chamamos ‘literatura’ (diz o Papa: ‘refiro-me ao valor da leitura de romances e poemas no caminho do amadurecimento pessoal’), é um desafio lançado ao mundo inteiro. Há que ler para crescer na educação.

Amigo de todas as horas, um livro pode ser particularmente importante em momentos mais complicados: ‘não faltam momentos de cansaço, irritação, desilusão, fracasso e, quando nem sequer na oração conseguimos encontrar o sossego da alma, pelo menos um bom livro ajuda-nos a enfrentar a tempestade, até que possamos ter um pouco mais de serenidade’.

Partilhando a sua experiência de professor, o Papa propõe: ‘devemos seleccionar as nossas leituras com abertura, surpresa, flexibilidade, orientação, mas também com sinceridade, tentando encontrar o que precisamos em cada momento da vida’. E recorda que a literatura se torna um caminho indispensável para o diálogo com a cultura do nosso tempo, pois ‘inspira-se na quotidianidade vivida, suas paixões e acontecimentos reais, como ‘a ação, o trabalho, o amor, a morte e todas as pobres coisas que enchem a vida’.

O Papa recorda à frente: ‘A missão eclesial soube desenvolver toda a sua beleza, frescura e novidade no encontro com diversas culturas – e muitas vezes graças à literatura – nas quais se enraizou, sem medo de arriscar e de extrair o melhor daquilo que encontrou’. Por isso, ‘não é por acaso que o cristianismo primitivo tenha percebido bem a necessidade de uma relação estreita com a cultura clássica da época’.

Muitos cientistas defendem que ‘o hábito de ler produz muitos efeitos positivos na vida de uma pessoa: ajuda-a a adquirir um vocabulário mais vasto e, consequentemente, a desenvolver vários aspectos da sua inteligência; estimula também a imaginação e a criatividade; simultaneamente, permite que as pessoas aprendam a exprimir as suas narrativas de uma forma mais rica; melhora também a capacidade de concentração, reduz os níveis de deficit cognitivo e acalma o stress e a ansiedade’. Dizem mais: ‘prepara-nos para compreender e, assim, enfrentar as várias situações que podem surgir na vida. Ao ler, mergulhamos nas personagens, nas preocupações, nos dramas, nos perigos, nos medos de pessoas que acabaram por ultrapassar os desafios da vida, ou talvez, durante a leitura, demos às personagens conselhos que mais tarde nos servirão a nós mesmos’.

O Papa Francisco recorre a um dos grandes escritores da sua América Latina: ‘ lembro-me do que o grande escritor argentino Jorge Luis Borges costumava dizer aos seus alunos: o mais importante é ler, entrar em contacto direto com a literatura, mergulhar no texto vivo que se tem diante de si, mais do que fixar-se em ideias e comentários críticos. E Borges explicava este pensamento aos seus alunos, dizendo-lhes que, talvez, no início compreendessem pouco do que estavam a ler, mas em todo o caso teriam escutado ‘a voz de alguém’. Aqui está uma definição de literatura que tanto me agrada: ouvir a voz de alguém. Não esqueçamos o quanto é perigoso deixar de ouvir a voz do outro que nos interpela! Caímos imediatamente no isolamento, entramos numa espécie de surdez ‘espiritual’, que também afeta negativamente a nossa relação connosco próprios e com Deus, por mais teologia ou psicologia que tenhamos conseguido estudar’.

A leitura é uma espécie de ‘ginásio de discernimento’, tentando escapar de alguns riscos como o da ‘busca duma eficiência que banaliza o discernimento, empobrece a sensibilidade e reduz a complexidade. Por isso, é necessário e urgente contrabalançar esta inevitável aceleração e simplificação da nossa vida quotidiana, aprendendo a distanciarmo-nos do imediato, a reduzir a velocidade, a contemplar e a escutar. Isto pode acontecer quando, de modo desinteressado, uma pessoa se detém para ler um livro’.

Há que ‘ver através dos olhos dos outros’, tentando perceber o papel espiritual da literatura. O Papa termina com uma citação do poeta Paul Celan: ‘Quem realmente aprende a ver, aproxima-se do invisível’.



 O PORTAL DAS LETRAS (1) - LER E CRESCER

Zezito de Oliveira · Aracaju, SE - 29/1/2011 

RODA DE LIVROS

Desde o início de 2010 tenho emprestado alguns livros para adolescentes da escola onde trabalho atualmente. Estes livros tratam de temas ligados ao seu cotidiano e foram escritos por pessoas que contam histórias ligadas às suas dúvidas e inquietações, alegrias e tristezas, expectativas e descobertas, além de outras experiências que fazem parte da vida deles e de cada um de nós.

O primeiro livro a ser entregue foi o de Gabriel, o Pensador “Diário Noturno”, seguiram-se “Depois daquela viagem” de Valéria Piassa Polizzi , “Feliz Ano Velho” de Marcelo Rubens Paiva, “Com licença eu vou a luta” de Eliane Maciel, e “Confissões de Adolescente” de Maria Mariana.

O início com Gabriel, o Pensador, deu-se em razão da compra do livro que eu e minha companheira fizemos para dar de presente de aniversário ao filho de uma amiga. Como ele já tinha sido contemplado com um exemplar o presente ficou na estante durante uns três anos e, no início do ano letivo de 2010, tive a idéia de emprestá-lo para alunas (os). Como contrapartida, foi solicitado que escrevessem sua opinião, com no minimo 10 linhas, abordando o que gostou e não gostou , o que aprendeu, passagens marcantes e outros aspectos do livro que julgassem interessantes.

Ainda sobre o livro de Gabriel, o Pensador, vale lembrar que o primeiro contato que tive com ele se deu quando, em 2005, foi realizado o seu lançamento aqui em Aracaju, através do circuito cultural Banco do Brasil. Na ocasião, na companhia de quatro alunos (as), tive a oportunidade de saborear a leitura de alguns trechos pelo próprio autor e de ouví-lo responder às perguntas dos adolescentes sobre o processo criativo, a vida pessoal e a carreira artística do autor.

Em seguida, adquiri com um vendedor de revistas usadas o título “Depois daquela viagem”, pelo módico preço de R$2.00 “ A história de uma adolescente que contraiu aids através de relacionamento sem preservativo com o namorado” , que despertou interesse imediato nos alunos e foi e ainda é, bastante disputado.

Quanto aos livros “Feliz Ano Velho” e “Com licença eu vou a luta” estes foram adquiridos através de um acaso. Mas, será que foi mesmo um acaso? A história foi assim: Em um dos dias de novembro de 2010, marquei uma reunião com uma amiga psicóloga para tratarmos de assuntos referentes às rodas de danças circulares e, na saída, ela me disse que estava com uma caixa de livros para doação e separasse alguns que me poderiam ser úteis.

Para mim, foi uma alegria poder re(encontrar) exemplares de “Com licença eu vou a luta” e “Feliz Ano Velho”. Quem adolesceu e juvenesceu em fins dos anos 70 e meados dos 80 sabe o quanto estas obras significaram para os jovens da época.

Já “Confissões de Adolescente” é uma obra que merece destaque à parte, pois, ao contrário dos demais livros, este foi (re)adquirido em um site de livros usados. A versão audiovisual desta obra, produzida pela TV Cultura nos anos 90 do século passado, foi exibida aos alunos e, diferentemente dos outros livros, foi solicitada a apresentação de um resumo de cada programa valendo nota, ressaltando o que gostou e não gostou, o que aprendeu, passagens marcantes e outros pontos que julgassem relevantes.

O nível de repercussão e de interesse correspondeu às minhas melhores expectativas. Acompanho o alto grau de satisfação despertado por Confissões de Adolescente desde a década de 90, quando, ainda estudante e voluntário em um projeto de arte-educação popular no bairro América (Aracaju), sugeri a aquisição de um VHS com três episódios.

Decorrido mais de uma década, pude adquirir uma caixa de DVD´s contendo todos os episódios da fase principal da série, a preferida por todos nós: o pai, a mãe, a filha adolescente e o filho que, ainda criança, não perdia um programa, bem como, ainda hoje, as diversas reprises a que a irmã mais velha, volta e meia, assiste.

E a roda de livro em 2011???

Manteremos o foco no tema e no objeto principal: Obras de literatura de todos os gêneros com o olhar dirigido para o mundo adolescente e juvenil.

Pretendemos compartilhar informações com iniciativas semelhantes, principalmente através da net. O blog produção cultural nas escolas e do Orkut de História, em termos gerais, e o portal Overmundo, em algumas situações especificas, serão utilizados como espaço de postagem de textos, fotos e vídeos sobre livros e autores, bem como resumos elaborados pelos adolescentes e jovens leitores.

Em termos operacionais pretendemos prosseguir com os empréstimos, mantendo um cadastro organizado de cada adolescente/jovem leitor, um resumo de cada livro, e solicitando com mais firmeza a contrapartida de uma opinião resumida sobre o livro.

Aos poucos, tentaremos adotar uma ou outra obra para um estudo mais sistemático sobre fatos relacionados ao cotidiano juvenil e/ou história do Brasil e, ainda, como suporte para trabalhos de criação, envolvendo audiovisual, teatro, dança, artes plásticas, música, fotografia e etc.

Quem quiser/puder colaborar pode, dentre outras possibilidades:

Sugerir nome de livros para esta iniciativa.

Doar livros ou DVDs com adaptações literárias. Uma opção interessante é comprar através de sebos, inclusive os virtuais.

http://www.estantevirtual.com.br

Realizar ou propor iniciativa semelhante junto a crianças, adolescentes e jovens da família, do bairro, do condomínio e da escola.

Dica importante: Oferecer vários livros como sugestão para quem já está iniciado no hábito da leitura. Para aqueles que não gostam de ler , as estratégias exigem mais estrutura pedagógica e estética, que necessitam de mais políticas públicas nas áreas de educação, cultura e comunicação."

Escrever para a fundação Padre Anchieta solicitando a retomada da série Confissões de Adolescente com temas característicos dos tempos atuais. Ex: internet e novas tecnologias, aquecimento global e desastres ambientais, pedofilia, consumismo, fundamentalismos religiosos, políticos e étnicos, homossexualismo, cultura de massa juvenil, consumo do crack e drogas sintéticas, liberação do consumo da maconha e etc...

Dedico esta iniciativa aos queridos Milton Coelho e Frei Betto, o primeiro, comunista, o outro, cristão, mas ambos incansáveis no incentivo à boa leitura, por que sabem que lendo homens e mulheres se tornam melhores.

Sobre a carta do Papa Francisco e o papel da literatura na educação

O documento tem 13 páginas, 44 pontos. É uma carta de tom poético, sem grandes construções teologais ou doutrinais, soando como recomendação pessoal do Papa, endereçada aos sacerdotes, agentes de pastoral (leigos e leigas?) e qualquer cristão/cristã. Sobre a importância da leitura, do uso da Literatura no caminho de amadurecimento pessoal. Francisco reclama da falta de atenção dada à Literatura pelos futuros e atuais sacerdotes, que movidos muitas vezes por fake news, não conseguem fazer desabrochar a riqueza da sua própria pessoa após lerem um livro. 

Francisco propõe uma mudança de atitude em relação à Literatura na formação sacerdotal: a Literatura tem a ver com o que cada um de nós deseja na vida. 

Francisco retoma o Vaticano II: a Literatura inspira-se na cotidinianidade vivida. A missão eclesial soube desenvolver-se toda a sua beleza graças à Literatura exprimindo toda riqueza e profundidade do Evangelho.  

Cita o apóstolo Paulo e seu contato com a Literatura: o diálogo edifica pontes. 

Conclama a todos, todas nós a nunca perdermos de vista a carne de Jesus Cristo. 

Nos orienta a olhar todas as coisas a partir da poesia. O olhar pela poesia transforma! 

Insiste em dizer que a Literatura pode tornar os futuros sacerdotes e agentes de pastoral mais sensíveis à plena humanidade do Senhor. 

Um grande bem é apontado: o hábito de ler produz muitos efeitos positivos na vida de uma pessoa. Preparando-a para compreender e enfrentar as situações que surgem na vida. 

É preciso urgentemente redespertar o amor pela leitura! 

Cita Jorge Luis Borges: o mais importante é ler, entrar em contato direto com a Literatura, mergulhar no texto vivo que se tem diante de si, mais do que fixar-se em ideias e comentários críticos. 

Alerta para ouvir a voz de alguém! Não esqueçamos o quanto é perigoso deixar de ouvir a voz do outro que nos interpela! 

Tocar o coração! Comover! Abrir-se! Só a palavra é intimamente capaz de libertar tudo o que mantém encarceradas as realidades não expressas. O objetivo da vida: conduzir ao bem e à beleza! 

Ato de ler = Ato de discernir. O sujeito da leitura é objeto do que está lendo. E é lido pelas palavras que vai lendo. 

A Literatura nos faz ver através dos olhos das outras pessoas, produzindo em nós um descentramento. É necessário quebrar os ídolos autorreferenciais. 

Ao ler e reler a Carta me veio à mente a canção de Caetano Veloso: ALGUÉM CANTANDO, e os filmes: SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, O CARTEIRO E O POETA e AVATAR. 

Contudo, enquanto considerações finais de uma primeira impressão, pensei que o texto iria em um sentido de valorizar a leitura como capacidade de conhecimento, interpretação, exercício crítico e de imaginação. Então estou um pouco decepcionado, pois o Papa se detém no alcance imaginário e na capacidade de empatia que brota da Literatura, só que que ele não se refere propriamente a conhecimento, e sim à imaginação, narrativas e poesias.  

Em poucos trechos da Carta volta a aludir ao caráter interpretativo e de exercício de discernimento crítico.  

Direciona a formação dos novos sacerdotes... faz pouco sentido em um mundo no qual esse exercício de leitura, interpretação, analise crítica e reflexiva, está em queda... 

Você teve essa impressão? 

Emerson Sbardelotti 

Doutor em Teologia pela PUC-SP 

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Nenhum comentário: