Flip/Divulgação
Gilberto Gil: "O Estado passou a representar os interesses privados"
Gil em coletiva de imprensa antes da mesa

PARATY, RJ - A defesa das manifestações culturais populares em cidades turísticas invadidas por eventos externos, como é o caso de Paraty, foi o tema da mesa que uniu o cantor Gilberto Gil e a historiadora Marina de Mello e Souza, na tarde de hoje, na Tenda dos Autores da Flip. 
A conversa entre os dois teve como fio condutor o conceito de "defeso cultural", criado pelo poeta e compositor paratiense Luiz Perequê a partir de uma definição usada na pesca --o defeso é o período em que a pesca é proibida, para garantir a reprodução e a preservação das espécies. 
"As manifestações artísticas locais são um exercício da alma do povo do lugar, que não pode ser misturado com entretenimento para turista", disse Perequê em vídeo introdutório. "Todas as cidades que trabalham com população flutuante têm de pensar em alguma forma de defeso cultural. Para fazer o novo, a gente não precisa esquecer o velho. Você não mata seu avô para enaltecer o neto, é justamente o contrário." 
Autora de "Paraty - A Cidade e as Festas" e frequentadora do local desde os anos 1970, Marina disse que as celebrações populares sempre serviram de amálgama para a comunidade. "As festas pontuavam o ciclo de vida das pessoas, eram importantes para a construção da identidade, de laços de solidariedade." 
Gil abriu sua participação falando sobre a dificuldade de equilibrar a vida contemporânea com as tradições comunitárias que vêm do passado. "Paraty, como todas as cidades do seu porte e da sua origem, passou a se defrontar com esse problema de equilibrar a tradição e o novo. A saída do isolamento era necessária, para atender ao sonho futurista de uma geração que nascia. Ao mesmo tempo, existe a necessidade de manter as festas, de estar permanentemente cercado pela tradição." 
Protestos 
Mediado por Alexandre Pimentel, diretor da Biblioteca Parque de Manguinhos, no Rio, o encontro também abordou os recentes protestos populares no Brasil.
"Nós vivemos uma situação em que o Estado deixou de representar o interesse social e passou a representar o interesse privado", disse Gil, sendo aplaudido pela plateia, que não chegou a lotar a tenda (as laterais estavam esvaziadas); parte do público ainda se retirou antes do fim do debate, que durou quase duas horas. 
O ex-ministro da Cultura voltou a comparar as passeatas atuais ao que chama de "rave-arrastão". "É a política como entretenimento, como diversão, vão a rua fazer política, mas a seu estilo, como uma rave. Para outros, era um arrastão."
Disse ainda não ver sentido nas críticas aos manifestantes que usam máscaras durante os protestos. "Quando alguns de nós, da classe média, ficamos condenando o fato de alguns meninos estarem com os rostos encobertos, eu me pergunto como poderíamos nos queixar, se estamos todos encobertos pela máscara da internet." 
A mesa de Gil e Marina teve uma manifestação de um grupo paralelo, mas ligado ao tema em discussão: eram mulheres representantes do Fórum das Comunidades Tradicionais de Paraty, que exibiram duas faixas --uma com o nome do fórum e outra que pedia "Educação diferenciada" --e foram saudadas pelo mediador. 


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