Pedro Henrique Moreira - Agência Brasil28.07.2013 - 19h56 | Atualizado em 28.07.2013 - 22h49
Alto
Paraíso de Goiás – Ponto alto do Encontro de Culturas Tradicionais da
Chapada dos Veadeiros, a Aldeia Multiétnica reuniu, na última semana, na
Vila de São Jorge, mais de 200 índios de pelo menos dez etnias. A área
ocupada pela aldeia desde a edição de 2011, próxima ao Rio São Miguel,
recebeu uma oca típica dos Krahô, do Tocantins. Neste ano, mais duas
casas típicas compuseram o espaço, uma xinguana, usada pelos povos do
Xingu, e uma Kaiapó. Há ainda uma casa Kalunga, típica dos quilombolas
de Goiás, e a Tribo Arco-Íris, um acampamento de não índios de origem
urbana, que adotaram um estilo de vida mais próximo da natureza.
Os índios começaram a chegar à Aldeia Multiétnica há uma semana, mas a programação só teve início quarta-feira (24), com o ritual da Máscara do Tamanduá, dos Kaiapó. Aberta ao público, a aldeia foi palco de inúmeras apresentações dos índios. Rituais religiosos, festas, danças e lutas foram algumas delas.
O idealizador e coordenador-geral do Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada, Juliano George Bessa, explicou que a ideia é mostrar um pouco do Brasil indígena para o restante da sociedade. "Esse Brasil ocupa 13% do nosso território, que são os 13% mais bem preservados quanto à diversidade ambiental e cultural. Dentro da aldeia, eles se encontram, e também a sociedade brasileira tem oportunidade de ver a beleza da cultura indígena, do modo de viver, das crianças, dos anciãos." Bessa destacou que é possível acompanhar rituais que são passados de pai para filho há centenas de anos e "estão na memória mais antiga do que é o Brasil".
A relações públicas Camila Nascimento, que mora em Goiânia, foi com a filha, Júlia, de 14 anos, acompanhar as atividades da aldeia. O único contato anterior de Camila com povos indígenas tinha sido no litoral de São Paulo, mas com índios que já vivem na cidade e perderam boa parte dos costumes. Na aldeia, assistiu a um ritual que atravessou a madrugada. "Eles fizeram uma reza em cada uma das ocas, para proteção espiritual. Então, tudo tem um porquê. Cada desenho que eles fazem no corpo tem um significado", lembrou. Segundo ela, são muitos significados, há muita relação com os elementos da natureza. "Eles vão explicando e você entra no ritual junto com eles."
Carregando uma pequena índia Kaiapó nos braços e com muitas pinturas corporais feitas pelas índias, Júlia se disse impressionada. "Antes de vir pra cá, achei que não ia gostar muito, não queria. Quando cheguei, nossa! É uma energia muito boa. No começo, eles não gostam muito, mas, depois, começam a abraçar e a brincar mais com os visitantes."
O grupo de Camila e Júlia incluía amigos de Curitiba, de Brasília e da cidade catarinense de Pombinhas. Todos interessados em vivenciar, bem de perto, as tradições indígenas. A estudante de gestão ambiental Sarah Martins, que mora em Brasília, que sempre admirou os povos indígenas, também brincava com as crianças. "São povos ancestrais, são conhecimentos maravilhosos. São muito carinhosos. Ainda carregam muita inocência, e é preciso preservar isso."
O escambo (troca de uma mercadoria ou serviço por outro) foi resgatado para o pagamento das pinturas e objetos feitos pelos indígenas. As pinturas, principalmente as feitas pelas mulheres Kaiapó, eram as mais procuradas. Em troca, os índios recebiam bijuterias e cangas, entre outros objetos. Camila considerou essa troca uma forma de "desapego". Eles têm uma noção de valor completamente diferente da de quem vive nos centros urbanos. "Aprendemos isso com eles: o que realmente importa não é o que é caro, o que tem marca, onde eu comprei. Isso pra eles não tem valor nenhum. [O importante] é como eles vão usar aquele objeto."
Na sexta-feira (26), os Fulni-ô, indígenas de Pernambuco, apresentaram um ritual no grande largo central da aldeia. Com pinturas corporais e vestimentas tradicionais, cantaram e dançaram, ao ritmo das pisadas fortes no chão. Ykekia Txalé Fulni-ô, um dos líderes do grupo, informou que cerca de 6 mil Fulni-ô vivem no estado, em uma região próxima de Garanhuns. Ele disse que a cultura indígena da Região Nordeste é pouco conhecida no restante do país. "[O brasileiro] conhece mais [os índios] de Mato Grosso, da Amazônia. Então, quando somos convidados, podemos mostrar que lá tem índio que preserva, que faz suas tradições. E mostrar um pouco dos cânticos." No ano que vem, os Fulni-ô serão os anfitriões da Aldeia Multiétnica, com a construção de uma oca típica no local.
Os Yawalapiti, originários do Alto Xingu, em Mato Grosso, apresentaram sábado (27) uma festa das mulheres guerreiras, além de demonstrações de uma luta tradicional, que lembra um pouco as artes marciais de contato, como o judô e o sumô japonês. Primeiro as mulheres se enfrentaram. Depois, os homens, que convidaram que assistia a participar.
O pesquisador Leandro de Melo Rocha aceitou o desafio, mas, em poucos segundos, foi jogado ao chão. "É muita força, muito respeito, há um encaixe espiritual ali na hora, o respeito é grande, mas sem violência, só medindo a força. Ele é muito mais forte do que eu, com certeza. Não tem que comparar", disse ele. O guerreiro Parú Yawalapiti, que lutou com Leandro, não precisou usar a força, porque achou o adversário muito leve. "Não precisei usar força, nem nada. Só a técnica mesmo. Só puxei ele, virei assim, ó, e ele caiu."
O grupo participou da aldeia pela sétima vez. O líder Anuiá Yawalapiti ressaltou que, além de permitir que todos conheçam a cultura dos outros povos indígenas, a iniciativa ajuda a unir forças e buscar soluções para as dificuldades que esses povos enfrentam. Mostrar a cultura para os não índios também ajuda a ganhar a adesão do restante da sociedade.
Ainda no sábado, as atividades indígenas saíram da Aldeia Multiétnica e invadiram o pequeno povoado de São Jorge. Os índios Krahô, que vivem no Tocantins, disputaram a corrida de tora. Carregando troncos de buriti nos ombros, os homens percorreram a principal rua do povoado. A chegada foi diante do palco principal, montado para o Encontro de Culturas. Lá, várias etnias se revezaram em danças e cânticos, encantando o público e os turistas.
Durante o 13° Encontro de Culturas Tradicionais, o Ministério da Cultura, em parceria com a Secretaria-Geral da Presidência da República, promoveu uma convenção livre quilombola, uma convenção livre indígena e uma oficina sobre a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Essa convenção determina a consulta prévia às comunidades tradicionais sobre empreendimentos que possam afetar as terras onde vivem.
Para a secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Márcia Rollemberg, a aplicação da convenção precisa ser garantida. "É importante porque a vida dessas pessoas depende da questão ambiental, depende do território. As comunidades tradicionais, indígenas, ribeirinhos, extrativistas, têm uma relação com o meio ambiente, e temos muito a aprender com elas." O processo de progresso tem que considerar outras maneiras de viver e de ser, outros valores, que não só os monetários, acrescentou.
Das convenções livres, saem as propostas que farão parte da 3ª Conferência Nacional de Cultura, que será realizada entre 26 e 29 de novembro deste ano. Márcia Rollemberg disse que a intenção é incorporar as propostas apresentadas nas etapas regionais da conferência aos planos municipais e estaduais e ao plano nacional de cultura.
Os índios começaram a chegar à Aldeia Multiétnica há uma semana, mas a programação só teve início quarta-feira (24), com o ritual da Máscara do Tamanduá, dos Kaiapó. Aberta ao público, a aldeia foi palco de inúmeras apresentações dos índios. Rituais religiosos, festas, danças e lutas foram algumas delas.
O idealizador e coordenador-geral do Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada, Juliano George Bessa, explicou que a ideia é mostrar um pouco do Brasil indígena para o restante da sociedade. "Esse Brasil ocupa 13% do nosso território, que são os 13% mais bem preservados quanto à diversidade ambiental e cultural. Dentro da aldeia, eles se encontram, e também a sociedade brasileira tem oportunidade de ver a beleza da cultura indígena, do modo de viver, das crianças, dos anciãos." Bessa destacou que é possível acompanhar rituais que são passados de pai para filho há centenas de anos e "estão na memória mais antiga do que é o Brasil".
A relações públicas Camila Nascimento, que mora em Goiânia, foi com a filha, Júlia, de 14 anos, acompanhar as atividades da aldeia. O único contato anterior de Camila com povos indígenas tinha sido no litoral de São Paulo, mas com índios que já vivem na cidade e perderam boa parte dos costumes. Na aldeia, assistiu a um ritual que atravessou a madrugada. "Eles fizeram uma reza em cada uma das ocas, para proteção espiritual. Então, tudo tem um porquê. Cada desenho que eles fazem no corpo tem um significado", lembrou. Segundo ela, são muitos significados, há muita relação com os elementos da natureza. "Eles vão explicando e você entra no ritual junto com eles."
Carregando uma pequena índia Kaiapó nos braços e com muitas pinturas corporais feitas pelas índias, Júlia se disse impressionada. "Antes de vir pra cá, achei que não ia gostar muito, não queria. Quando cheguei, nossa! É uma energia muito boa. No começo, eles não gostam muito, mas, depois, começam a abraçar e a brincar mais com os visitantes."
O grupo de Camila e Júlia incluía amigos de Curitiba, de Brasília e da cidade catarinense de Pombinhas. Todos interessados em vivenciar, bem de perto, as tradições indígenas. A estudante de gestão ambiental Sarah Martins, que mora em Brasília, que sempre admirou os povos indígenas, também brincava com as crianças. "São povos ancestrais, são conhecimentos maravilhosos. São muito carinhosos. Ainda carregam muita inocência, e é preciso preservar isso."
O escambo (troca de uma mercadoria ou serviço por outro) foi resgatado para o pagamento das pinturas e objetos feitos pelos indígenas. As pinturas, principalmente as feitas pelas mulheres Kaiapó, eram as mais procuradas. Em troca, os índios recebiam bijuterias e cangas, entre outros objetos. Camila considerou essa troca uma forma de "desapego". Eles têm uma noção de valor completamente diferente da de quem vive nos centros urbanos. "Aprendemos isso com eles: o que realmente importa não é o que é caro, o que tem marca, onde eu comprei. Isso pra eles não tem valor nenhum. [O importante] é como eles vão usar aquele objeto."
Na sexta-feira (26), os Fulni-ô, indígenas de Pernambuco, apresentaram um ritual no grande largo central da aldeia. Com pinturas corporais e vestimentas tradicionais, cantaram e dançaram, ao ritmo das pisadas fortes no chão. Ykekia Txalé Fulni-ô, um dos líderes do grupo, informou que cerca de 6 mil Fulni-ô vivem no estado, em uma região próxima de Garanhuns. Ele disse que a cultura indígena da Região Nordeste é pouco conhecida no restante do país. "[O brasileiro] conhece mais [os índios] de Mato Grosso, da Amazônia. Então, quando somos convidados, podemos mostrar que lá tem índio que preserva, que faz suas tradições. E mostrar um pouco dos cânticos." No ano que vem, os Fulni-ô serão os anfitriões da Aldeia Multiétnica, com a construção de uma oca típica no local.
Os Yawalapiti, originários do Alto Xingu, em Mato Grosso, apresentaram sábado (27) uma festa das mulheres guerreiras, além de demonstrações de uma luta tradicional, que lembra um pouco as artes marciais de contato, como o judô e o sumô japonês. Primeiro as mulheres se enfrentaram. Depois, os homens, que convidaram que assistia a participar.
O pesquisador Leandro de Melo Rocha aceitou o desafio, mas, em poucos segundos, foi jogado ao chão. "É muita força, muito respeito, há um encaixe espiritual ali na hora, o respeito é grande, mas sem violência, só medindo a força. Ele é muito mais forte do que eu, com certeza. Não tem que comparar", disse ele. O guerreiro Parú Yawalapiti, que lutou com Leandro, não precisou usar a força, porque achou o adversário muito leve. "Não precisei usar força, nem nada. Só a técnica mesmo. Só puxei ele, virei assim, ó, e ele caiu."
O grupo participou da aldeia pela sétima vez. O líder Anuiá Yawalapiti ressaltou que, além de permitir que todos conheçam a cultura dos outros povos indígenas, a iniciativa ajuda a unir forças e buscar soluções para as dificuldades que esses povos enfrentam. Mostrar a cultura para os não índios também ajuda a ganhar a adesão do restante da sociedade.
Ainda no sábado, as atividades indígenas saíram da Aldeia Multiétnica e invadiram o pequeno povoado de São Jorge. Os índios Krahô, que vivem no Tocantins, disputaram a corrida de tora. Carregando troncos de buriti nos ombros, os homens percorreram a principal rua do povoado. A chegada foi diante do palco principal, montado para o Encontro de Culturas. Lá, várias etnias se revezaram em danças e cânticos, encantando o público e os turistas.
Durante o 13° Encontro de Culturas Tradicionais, o Ministério da Cultura, em parceria com a Secretaria-Geral da Presidência da República, promoveu uma convenção livre quilombola, uma convenção livre indígena e uma oficina sobre a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Essa convenção determina a consulta prévia às comunidades tradicionais sobre empreendimentos que possam afetar as terras onde vivem.
Para a secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Márcia Rollemberg, a aplicação da convenção precisa ser garantida. "É importante porque a vida dessas pessoas depende da questão ambiental, depende do território. As comunidades tradicionais, indígenas, ribeirinhos, extrativistas, têm uma relação com o meio ambiente, e temos muito a aprender com elas." O processo de progresso tem que considerar outras maneiras de viver e de ser, outros valores, que não só os monetários, acrescentou.
Das convenções livres, saem as propostas que farão parte da 3ª Conferência Nacional de Cultura, que será realizada entre 26 e 29 de novembro deste ano. Márcia Rollemberg disse que a intenção é incorporar as propostas apresentadas nas etapas regionais da conferência aos planos municipais e estaduais e ao plano nacional de cultura.
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