Publicado em 13 de julho de 2013
Se você, assim como eu, se entusiasmou com as recentes manifestações
no Brasil todo e até participou de algumas e espera que o “gigante tenha
realmente acordado”, talvez devesse começar a ler um pouco para juntar a
ação à teoria, ajudando a criar realmente um movimento. E, para isso,
existe uma grande quantidade de livros importantes, desde aqueles de
História do Brasil e do mundo até aqueles de sociologia e teoria
política. Mas sempre é necessário começar de algum ponto e hoje, eu
sugiro um destes “pontos iniciais” para a sua reflexão.
Trata-se de duas obras de Alfredo Sirkis, que em 1966 era um jovem
estudante secundarista (hoje diríamos do ensino médio) e acreditava-se
um liberal, anticomunista e até simpático ao golpe militar de 64. A
partir de suas experiências no movimento estudantil e vivenciando a
repressão da ditadura, gradativamente foi mudando de posições até
radicalizar e entrar para a resistência armada. Na primeira obra, “Os
Carbonários – memórias de uma guerrilha perdida”, Sirkis relata seus
primeiros anos no colégio de aplicação no Rio de Janeiro e sua entrada
para o grêmio estudantil e as repressões sofridas, tanto dentro do
colégio quanto nas ruas. Relata também as grandes passeatas de 1968, que
chegaram a reunir 500 mil pessoas no Rio em uma delas e a fé que se
tinha, na época, de que tudo iria mudar com o povo em massa nas ruas.
Mas a repressão, o AI-5 e alguma melhora na economia, retiraram o
povo bem rápido das mesmas ruas e assim, muitos jovens idealistas e
frustrados, acabaram por ingressar em grupos de luta armada. A partir
desta opção pelas ações violentas, que acreditava-se ser capaz de
motivar novamente a população, os militantes foram gradativamente sendo
isolados e eliminados. Presos, eram torturados barbaramente para
entregar seus companheiros que iam sendo identificados e, por sua vez,
presos, torturados e assim sucessivamente, até a eliminação total dos
militantes. Sirkis teve sorte e conseguiu sair do Brasil sem ser preso,
mas vivenciou a luta e a relata de maneira acessível, fácil e
“saborosa”. Relata, inclusive, os dois seqüestros dos quais participou,
dos embaixadores da Alemanha e da Suíça, que foram trocados pela
libertação de prisioneiros políticos, um deles, Fernando Gabeira.
No segundo livro, “Roleta Chilena”, Sirkis conta a sua experiência no
Chile quando, como repórter “free lancer” de jornais europeus, cobria a
situação do governo de Salvador Allende em 1973. Sirkis estava lá em 11
de setembro, momento em que Allende é deposto por um golpe militar e os
militantes de esquerda são perseguidos, torturados e mortos. Ele
descreve a tensão, a situação dos muitos brasileiros que viviam no
Chile, fugidos da ditadura brasileira e os momentos trágicos, heróicos e
às vezes engraçados, vividos por todos naqueles dias. Da mesma forma
que em “Os Carbonários” a leitura é fluída, agradável e dinâmica.
Existe de tudo nas páginas dos livros de Sirkis: emoção, reflexão,
auto critica, crítica a posições radicais da época, atos de coragem e
heroísmo, romances, aventuras e tristezas. No entanto, penso que uma das
questões mais interessantes, é a de que através das obras de Sirkis
ficam claros alguns pontos que podem estar acontecendo novamente nestes
últimos tempos de manifestações. O primeiro destes pontos é o que se
refere à consciência e participação popular. Tanto naqueles dias quanto
hoje, o mais importante era a participação maciça da população, mas esta
não tinha uma consciência de cidadania e democracia fortes o suficiente
para mantê-las ativa. Tampouco tinha, e novamente isto pode estar se
repetindo, um projeto político definido. Daí, passada a euforia das
grandes manifestações de 1968 e endurecida a repressão, bem como
iniciado o processo de crescimento econômico que ficaria conhecido como
“milagre brasileiro”, a vinda da desmobilização e o isolamento dos
militantes. Outro ponto refere-se às inúmeras divisões, algumas
estúpidas, entre os movimentos de resistência à ditadura. Chega a ser
cômico o relato de tantos “rachas”, motivados por desejo de poder
próprio e/ou por diferenças ideológicas cegas. Sendo já poucos, os
militantes ao se dividirem tornam-se mais fracos, desarticulados e
desesperados. O resultado é seu esmagamento.
No Chile, mesmo com muito mais consciência e participação popular,
faltava também a articulação e um trabalho constante de educação
política. A classe média chilena e principalmente alguns setores das
classes populares, foram jogadas contra Allende e manipuladas até o
desfecho da ditadura sanguinária de Pinochet. Ler os livros de Sirkis é
diversão certa, mas também é reflexão e um alerta para a necessidade da
construção da consciência de cidadania por parte da população. Sem esta
construção prévia, da noção de que o Estado pertence ao povo e este deve
controlá-lo, não há mobilização permanente e forte o suficiente para
mudar as coisas. Também é um alerta contra a excessiva divisão entre
aqueles que buscam mudanças e a falta de projetos comuns, ainda que
básicos.
“Roleta Chilena” está esgotado, mas pode ser encontrado em sebos e
bibliotecas. Já “Os Carbonários” continua nas livrarias pela Editora
Best bolso.
Quer uma dica? Leia enquanto se prepara para novas mobilizações. Leia para ajudar o “gigante” acordar.
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