quinta-feira, 20 de junho de 2024

A arte de Chico Buarque foi esperança em tempos de terror. (Romero Venâncio-UFS) & outros textos.

 

A *Mangue Jornalismo* presta uma simples homenagem ao cantor, compositor e escritor Chico Buarque de Hollanda que ontem, 19, completou 80 anos de vida. O professor de Filosofia da UFS, Romero Venâncio escreve que a arte de Chico Buarque foi esperança em tempos de terror, no longo período da ditadura militar.

“Chico Buarque chega aos 80 anos e os tempos são outros - tempos de neoliberalismo. O Brasil cresceu e tudo cresceu junto, principalmente, a violência sobre os mais pobres. Se pensam que Chico Buarque não pressentiu isso, estão enganados”, escreve Romero.

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A foto coloca na linha de frente da Passeata dos Cem Mil, Rio de Janeiro, 1968, antes do fechamento total da Ditadura Militar: da esquerda para a direita, Chico, Zé Celso Martinez Corrêa, Caetano e Gil.

Todos tiveram que exilar-se.


80 anos de Chico: obrigado por desenhar os contornos de nossa identidade

Jamil Chade - 
Colunista do UOL, em Genebra

19/06/2024 

Querido Chico,

Faço parte daqueles imigrantes que ensinam português aos filhos estrangeiros com tuas canções. Tento explicar o Brasil, o amor, a história, a ironia fina e o samba usando os atalhos de tua poesia.

Você é, em nossa casa, parte do currículo formal, o que certamente escandalizaria aqueles que entoam a educação em outra clave.

Você desembarcou na vida de Pol e Marc pela genialidade dos Saltimbancos, obra composta ao lado de Sérgio Bardotti e Luiz Enriquez. Passamos centenas de vezes por João e Maria, cuidadosamente ensaiada e coreografada com a fantasia da inocência e a incompreensão sobre versos da magia do amor.

Boleiro e tricolor, meu filho caçula rompeu a ordem hierárquica e passou a também a exigir que suas preferências musicais fossem atendidas. Temi que outras lentes seriam exigidas.

Mas certo dia, indo para a escola, me disse no carro que gostaria de ouvir "aquela canção do Chico sobre futebol".

Perguntei: qual?

"Aquela que diz: aqui na terra tão jogando futebol?", respondeu, orgulhoso de que tinha supostamente entendido o sentido da canção.

Os dois foram crescendo e não demorou para que arregalassem as sobrancelhas diante da forma pela qual você encontrou para enganar os generais. Aplaudiam as estrofes como se fossem dribles dos maiores jogadores em campo. Amei quando, aliviados, decretaram que a censura é burra.

Nos últimos quatro anos, a cada dia 25 de abril, enquanto o sol já mais quente nos retirava os pesados casacos exigidos durante o longo inverno, sei que os garotos aqui sorriam com esperança quando você decretava que "canta a primavera, pá".

Diante de tua presença permanente por aqui, pensei que não bastaria apenas me somar às milhões de vozes que, em uníssono, te parabenizam pelos 80 anos.

Esta carta que te escrevo, portanto, é apenas um agradecimento. Gratidão por ter, nessas últimas décadas, ajudado a desenhar o contorno da nossa identidade. Por ter dado sentido e palavras ao inconformismo, a indignação, ao amor, à resistência e ao futuro. Nas noites frias ou nas festas em êxtase.

Gratidão por ter ajudado a ensinar aos meus filhos a serem também brasileiros, entre a multiplicidade de identidades. Uma "construção". Por ser uma das cores primitivas de uma imagem de vida que coloca a arte como prisma privilegiado.

Junto com Gil, Rita, Zélia, Milton, Elis, Ney, Caetano, Monica e tantos outros, vocês são as partituras de nossa Constituição. Os verdadeiros passaportes dessa identidade que, como num caleidoscópio, surpreende a cada giro. Uma nova imagem a cada estrofe da poesia que vocês transformam em hinos nacionais.

Uma pessoa pode falar várias línguas de forma fluente. Mas, no meu caso, costumo dizer que falo todas elas em português. Não (apenas) por causa do sotaque. Mas por ser o português meu mapa para acessar algo que nenhum outro instrumento chega: meu inconsciente. O lugar "onde os sonhos serão reais”.

Neles, sei que teus versos foram formadores. E faço questão de usá-los para embalar um novo conceito de cidadania.

A semente em algum canto de jardim que você pedia há quase 50 anos era, na verdade, tua poesia.

E ela vingou.

Obrigado,

Um beijo também para a Carol e saudações democráticas”

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/06/19/80-anos-de-chico-obrigado-por-desenhar-os-contornos-de-nossa-identidade.htm






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