(breve reflexão para crentes ou não)
Como Jesus explicava bem as coisas! No evangelho lido neste domingo em milhares de comunidades de fé pelo mundo (Marcos, 4, 26-34), o Mestre usa comparações bem compreensíveis (parábolas) para a multidão que queria ouví-lo.
O Reino de Deus - aquela aspiração que todos, religiosos ou não, trazemos dentro de nós (uma eterna-idade de justiça, igualdade e amor, onde não exista nenhuma dor) é comparado com uma... sementinha!
O revolucionário da época do Império Romano subverte tudo: quem esperava a imagem de um "Reino" com castelos, fortalezas e trono real encontra terra, semente, espigas, plantas, árvores, folhas, galhos, sombras e ninhos para os pássaros do céu. O Reino está na natureza!
O Reino de Deus é sementinha, é projeto a ser construído aqui e agora.
Pede semeadura, para quando o "tempo da colheita chegar". Que figura instigante, na contramão também dos "valores" do nosso tempo capitalista de "resultados", "eficácia", "lucros e likes", "ganhos imediatos". "Juros além" acima da "Jerusalém" terrestre e celeste, espaço sonhado onde convivam todas as religiões e espiritualidades...
O Reino que Jesus prega depende de nós e pede trabalho e paciência, pá e ciência. Sem ânsia de resultados: "se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente" (Henfil, 1944-1988).
Pede despojamento. Como diz o querido e quase octagenário Frei Betto, "sei que não verei a colheita, mas faço questão de morrer semente".
O Reino de Deus, portanto, é uma construção. Está dentro da gente e na nossa ação cotidiana, nos mínimos gestos, nas pequenas atitudes: é semente (a ser adubada por mente serena, sem mentiras).
Somos, ao mesmo tempo, sementinha e semeadore(a)s! Devemos nos perguntar sempre qual tem sido a nossa semeadura. Que "Reino" temos ajudado a construir?
Pois há aqueles - vivo cercado deles, na função pública que exerço - que, no "espírito diabólico" desses tempos insanos, se preocupam mais em criminalizar que acolher, mais em prender que libertar, mais em impor que compartilhar, até usando o nome de Deus, com a mesma moral farisaica que Jesus tanto condenou: "sepulcros caiados", "raça de víboras"...
Aquietemos nossos corações, semeando terrenos sem os "agrotóxicos" machistas do punitivismo e do ódio. Na semeadura, junto com tanta(o)s, ouçamos outros agora octagenários, como Chico Buarque e Milton Nascimento - orgulhos de minha geração, que se sabem também construtores do Reino da Delicadeza, do Cuidado e da Partilha: "afagar a terra, conhecer os desejos da terra/ cio da terra, a propícia estação/ e fecundar o chão!".
Assim seja e sejamos!
Fotos de Eduardo Ribeiro (horta em Santa Rosa de Viterbo/SP) e Igor Amaro (praça em Angra dos Reis/RJ)
(C.A.)
XI Domingo comum: Mc 4, 26- 34.
Neste XI domingo comum, o evangelho nos traz duas pequenas parábolas de Jesus sobre o processo de como o projeto divino se enraíza entre nós. Ambas as parábolas comparam o reinado divino com uma semente. Possivelmente, Jesus disse suas parábolas do reino em contexto de forte crise pessoal. De acordo com os evangelhos, ele tinha sido rejeitado pelo povo das cidades. Ele tinha prometido que o reinado divino viria imediatamente. No entanto, o tempo passava e o povo não via ocorrer nada de extraordinário. Conforme a tradição bíblica, quando um profeta anuncia algo em nome de Deus e aquilo não se realiza é sinal de que ele seria um falso profeta. Se o anunciado não se cumpriu, é sinal de que não foi Deus quem inspirou e quem falou pela boca do profeta. Jesus sofreu muito por ter que se explicar sobre isso. Ele mesmo tinha de ter fé e acreditar que tinha sido mesmo Deus que o mandou dizer tudo o que ele tinha falado. Mas, então por que o reino que o Pai lhe mandara anunciar não se cumpria?
É neste contexto que Jesus conta as parábolas do reino. Nelas, a imagem principal é a da semente. Não adianta exigir fruto, quando ainda é tempo de semente. É preciso ter paciência de esperar o tempo da frutificação. Naquela cultura agrícola tradicional, é preciso respeitar o processo da semente que tem força própria de germinar, independentemente da pessoa que planta.
Provavelmente, ao contar essa parábola que compara Deus com um lavrador pobre e paciente, o evangelho toma posição crítica em relação a grupos como o dos zelotas que, naqueles anos, imediatamente anteriores ao evangelho, tinham liderado a rebelião armada contra o exército romano de ocupação. A parábola pede que se confie na força da semente e se dê o tempo para que o fruto amadureça. O que cabe ao lavrador ou lavradora é a colheita que valoriza o que foi plantado e colhe o fruto que está no ponto.
A segunda parábola é a da semente de mostarda. No jeito como o evangelho a apresenta, ela mostra o contraste entre a pequena semente de mostarda e a grande árvore que ela se torna onde os pássaros vêm se abrigar. John Crossan, biblista, sociólogo estadunidense, estudioso do evangelho, chamou a atenção para o fato de que Jesus se refere à mostarda selvagem que os agricultores não plantavam e não queriam na plantação. Todos sabemos que os pássaros não são bem-vindos na lavoura, porque vêm em bando e comem os grãos. Então, possivelmente, Jesus contou a primeira parábola insistindo que a semente tem em si força para cumprir sua missão e por si mesma germinar e frutificar. A segunda parábola era sobre o fato de que essa semente forte do reinado divino vem ao mundo como uma espécie de praga na lavoura. Ninguém consegue suprimi-la. Mesmo quando parece vencida, a semente de mostarda é pequena demais, desaparece na terra e quando menos se espera, brota e se transforma em árvore. O reinado divino é assim. É subversivo. Ninguém consegue domá-lo ou freá-lo.
Para nós que ouvimos essa palavra hoje, o desafio é acreditar na força dessa profecia, mesmo em meio a todas as contradições da história. Precisamos valorizar as sementes que vemos brotar na caminhada das comunidades, em meio a tantas dificuldades. Devemos apostar nos pequenos grupos que continuam a se reunir para viver a fé a partir da espiritualidade libertadora. Temos de fortalecer os grupos ligados à Economia de Francisco e Clara que se reúnem e diariamente recriam experiências de economias solidárias, mesmo em meio a esse mundo que marcha no sentido oposto. Damos graças a Deus pelo Movimento de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras (MEL) que, atualmente, começa a se enraizar em várias regiões do país. Isso sem esquecer as sementes da esperança e do amor plantadas dentro de cada um, cada uma de nós.
Claro que não apenas devemos confiar e acreditar que a semente está lá escondida debaixo da terra e um dia germinará, mas é importante conjugar, de um lado a paciência histórica de compreender que tudo tem o seu tempo e devemos respeitar os processos, mas também estar atentos e atentas ao que o evangelho chama de “pressa escatológica”, quando Jesus adverte que a hora chegou. Como bem dizia o poema de Pedro Casaldáliga:
“Saber esperar, sabendo ao mesmo tempo, forçar
as horas daquela urgência que não permite esperar”
Missa do 11º Domingo do Tempo Comum com Pe. Julio Lancellotti - 16/06/2024
Canções para depois da leitura acima.
Cio da Terra
Padre Zezinho, scj - A juventude é uma semente
Faz Escuro Mas Eu Canto
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