domingo, 9 de junho de 2024

Flávio Jorge, o guerreiro longe dos holofotes

 


É difícil encontrar uma ação politica do movimento negro de grande envergadura no campo progressista que não tenha as digitais de Flavinho.


Por Dennis de Oliveira
Escrito en OPINIÃO el 7/6/2024 · 13:39 hs

Em tempos que se reduz militância pela busca de visibilidade, pessoas como Flávio Jorge parecem um tanto estranhas. Flavinho, como era conhecido pelos amigos, partiu para o Orùn no dia 6 de junho, aos 70 anos de idade. Toda a sua trajetória no movimento negro foi no sentido de construir instrumentos de organização e incidência política para que a agenda antirracista ganhasse protagonismo no debate político.

Flavinho participa da organização do Grupo Negro da PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo) e também teve papel importante na construção do Congresso de Cultura Negra das Américas, liderado por Abdias do Nascimento (1914-2011) e realizado em 1982. Paralelamente, participa da organização do Partido dos Trabalhadores (PT) junto com militantes do Movimento Negro Unificado (MNU) e já no PT, tem participação destacada na construção dos eventos relativos ao Centenário da Abolição em 1988.


Conheci Flavinho na organização do I Encontro Nacional de Entidades Negras (Enen) realizado em 1991 em São Paulo. A organização deste encontro foi precedida da articulação de encontros regionais no final dos anos 1980 e a constituição dos fóruns de entidades negras nos estados. Na ocasião, eu estava envolvido na organização de uma entidade do movimento negro no estado de São Paulo, a Unegro (União de Negros pela Igualdade). Neste processo de organização do Enen, Flavinho junto com vários militantes que participaram do Grupo Negro da PUC, funda a Soweto - Organização Negra que, junto com a Unegro e os Agentes de Pastoral Negros, vai ter papel destacado na construção do Fórum de Entidades Negras de S. Paulo que funcionará como ponto organizativo do I Enen.


Muitas outras coisas Flavinho esteve envolvido, desde a construção de espaços institucionais nos governos petistas, como a Cone (Coordenadoria Especial do Negro) de S. Paulo na prefeitura de Luisa Erundina em S. Paulo, a Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) no governo Lula, o Congresso Continental dos Povos Negros nas Américas em 1995 no Memorial da América Latina, em S. Paulo (evento que o financiamento atrasou e ele simplesmente passou cheques pessoais seus para pagar a tradução simultânea sem ter certeza de que seria reembolsado) e a participação brasileira na Conferência de Durban em 2001 - estivemos juntos em Quito no ano de 2000 por ocasião do Foro Social das Américas pela Diversidade e Pluralidade, ocasião em que tive a honra de fazer a abertura com a conferência sobre racismo estrutural.

Em agosto de 1991, ele foi escolhido pelo movimento negro para ler uma carta de saudação dos negros e negras brasileiras ao lider sul-africano Nelson Mandela quando ele foi recepcionado na sede da prefeitura de São Paulo. Foi uma das poucas vezes que vi Flavinho gaguejar de emoção ao ler a carta num dos momentos mais emocionantes para a comunidade negra brasileira. 

Tive muitas discussões e divergências com Flavinho que, com o tempo, foram se dirimindo, pois a maturidade nos faz enxergar com outras perspectivas mais amplas, às vezes tolhidas pelos impulsos da juventude. Nos encontramos pessoalmente no final do ano passado, em um evento do dia da consciência negra organizado pela Conen (Coordenadoria Nacional de Entidades Negras), entidade que ele fazia parte. Na ocasião ele dizia que era necessário resgatarmos as discussões políticas que fazíamos nos anos 1980 e 1990 que foram um tanto relegadas a segundo plano por conta desta disputa um tanto fraticida pela visibilidade e pelo rebaixamento do nivel dos debates políticos - vide a baixaria no Congresso Nacional nesta semana. Ele propunha um encontro com a galera que participou de todos aqueles momentos. 

Depois nos falamos no inicio deste ano sobre a construção do programa antirracista da candidatura de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo. Pouco afeito às tecnologias digitais, principalmente as redes sociais, ele sempre pedia que todos os documentos que enviassem a ele no whatsapp fossem mandados para o email dele. 

É difícil encontrar uma ação politica do movimento negro de grande envergadura no campo progressista que não tenha as digitais de Flavinho. Ao mesmo tempo é provável que haja gente que hoje está no movimento negro não tenha ouvido falar ou conhecido Flavinho. Porque ele, ao contrário de uma tendência da sociedade das redes sociais de se batalhar pela visibilidade, Flavinho investia na organização e na qualificação do debate político. Muita coisa que se conquistou hoje na luta antirracista deve-se a pessoas como ele. 

Valeu, irmão. Descanse em paz! Por aqui continuaremos a sua obra e você certamente no Orùn estará acompanhando. Um dia a gente se revê e põe o papo em dia.

O Brasil da adeus a um gigante do movimento negro: Flávio Jorge! | Domingo a Fórum | 09.06.24


Lula chora morte de Flávio Jorge, fundador do PT: "Grande tristeza".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) utilizou as redes sociais nesta quinta-feira (6), e lamentou a morte de Flávio Jorge, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, aos 71 anos, em decorrência de complicações de um câncer no intestino.

Através de uma nota publicada no X (antigo Twitter), o político se despediu do ex-diretor da Fundação Perseu Abramo e dirigente da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), considerado uma das maiores lideranças do movimento negro do Brasil.

“Com grande tristeza, soube do falecimento de Flávio Jorge, militante e fundador do PT, uma referência das lutas pelos direitos dos trabalhadores e do povo negro. Além de ter sido conselheiro do Instituto Lula, Flávio foi importante dirigente do movimento negro, lutou contra a ditadura militar e seguiu organizando lutas pela democracia”, lamentou Lula.

“Flávio foi um dos grandes responsáveis pela primeira mulher negra se tornar ministra com a criação da Secretaria Executiva de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, caminhos abertos para a criação do Ministério da Igualdade Racial de hoje. Meus sentimentos à família, amigos e militantes que tiveram o prazer de lutar ao lado de Flávio Jorge”, pontuou o presidente do Brasil.

Com imensa tristeza recebi a notícia da passagem do Flávio Jorge, o querido Flavinho.
Foi com ele, ainda no movimento estudantil dos anos 1970, que tive as primeiras lições sobre o combate ao racismo, quando ele estava empenhado no processo de organização do Movimento Negro.
Depois, nossas trajetórias se cruzaram em várias momentos.
Nas ricas formulações sobre o direito à moradia, no período em trabalhou na Fase em São Paulo, nas décadas de 1980/1990, quando defendiamos o fortalecimento e autonomia dos movimentos populares.
No meu primeiro mandato de vereador, quando integrou a equipe do gabinete em 2001-2, fazendo a interlocução com o PT, sempre com uma opinião lúcida e ponderada .
Mais recentemente, convivemos no Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo, onde, entre muitas atividades, ele teve um papel importante no articulação da Frente Brasil Popular.
Seu legado para os movimentos negro e popular é inestimável.
Partiu antes da hora, quando muito ainda podia dar para um Brasil mais justo, solidário e igualitário.

Querido Flavinho, presente


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