15/09/2022
Se, após o assassinato de um petista por um bolsonarista no Paraná, o presidente Jair Bolsonaro limitou-se a dizer que o incidente foi uma briga entre duas pessoas, agora, após novo assassinato, desta vez em Mato Grosso, ele disse lamentar mortes decorrentes de “motivação estúpida” e reafirmou que o PT tem de ser “extirpado” da vida pública.
Deixou claro, assim, seu desprezo pela democracia. No passado, ele chegou a pedir o fuzilamento de um de seus antecessores. Essas não são apenas falas irresponsáveis, no plano político. Também são afirmações perigosas, no plano institucional. A visão da democracia pelo bolsonarismo é rasteira. Reduz tudo a um “eles contra nós”. Em vez de ver os atores políticos a partir de suas diferentes inclinações ideológicas, o bolsonarismo é binário. Quem não é amigo, é inimigo e tem de ser destruído, como se viu quando asfixiou financeiramente as universidades federais, por considerá-las redutos de comunistas.
De certo modo, o País está repetindo os idos de março de 1964, quando, em plena Guerra Fria, militares idolatrados por Bolsonaro não entenderam que, em razão da industrialização dos anos de 1940 e 1950, surgiram novos atores políticos com novas demandas. Em vez de vê-los à luz do desenvolvimento econômico, eles as encaravam como subversão. É certo que alguns dos atores emergentes acreditavam poder transformar o País sem ouvir interesses contrários. Mas muitos militares também pensavam assim, o que os levou a tratá-los como inimigos internos a serem eliminados, política ou até fisicamente. Dado o golpe, editaram atos institucionais em nome da “autêntica” democracia, mas conferindo-se a prerrogativa de mudar as regras conforme as circunstâncias.
No mundo contemporâneo, o Estado tem o monopólio do exercício legítimo da violência, o que implica tripartição de Poderes e a segurança do direito. Mas, quando o Executivo se arroga ao direito de definir quem são seus inimigos, para afastá-los do jogo político, o Estado passa de democrático a autoritário. No Estado democrático, com suas regras de alternância no Executivo, com base em eleições periódicas, a divisão dos poderes é vital para sua legitimidade. Graças a essas regras, o adversário jamais é alguém a ser “extirpado da vida pública”. Como, na estreiteza do bolsonarismo, o confronto entre situação e oposição é guerra, decorre daí sua torpe violência. O bolsonarismo não entende que, na democracia, quem é derrotado num pleito continua pertencendo à unidade do Estado.
A discussão não é nova. Entre nós, J. Arthur Giannotti a debateu nos anos de 2010 em artigos na mídia. Nos Estados Unidos, surgiram estudos que distinguem dois tipos de polarização política – a ideológica, por meio de partidos com programas opostos, o que fortifica a democracia ao estimular debate de ideias, e a grupal ou tribal, que une identidade política com o ódio a quem não pertença ao grupo ou à tribo e se apropria de símbolos nacionais para dividir a população entre patriotas e os não patriotas – os inimigos.
Essa polêmica começou na Alemanha dos anos 1920, deflagrada pelas críticas ao Estado liberal feitas pelo constitucionalista Carl Schmitt, para quem a essência da política é a distinção entre amigo e inimigo. O inimigo não é alguém que deve ser eliminado por qualquer motivo. Como ele se situa no mesmo plano que o amigo, este deve se confrontar com aquele para tomar consciência de sua medida, dizia Schmitt, após lembrar que o inimigo absoluto tinha de ser evitado face aos problemas que a absolutização acarreta. Inimigo não é o oponente pessoal, mas um grupo, “um conjunto de homens que se contrapõe a um conjunto semelhante”, concluía.
Defensor de um Estado forte, Schmitt marcou a ascensão do nazismo plano jurídico. Suas ideias ressurgiram no século 21 repaginadas pela extrema direita americana e, aqui, foi plagiado pelo bolsonarismo, que conta com militantes que andam armados. Ao afirmar que seu objetivo é “extirpar” o PT da vida pública, após mais uma morte, Bolsonaro manteve seu script de degradação da democracia.
https://jornal.usp.br/?p=564034
Um governo apropriado pelo centrão jamais conseguirá ser inovador; jamais encarará o desenvolvimento como fenômeno dinâmico; se caminhasse da linha da inovação institucional e da melhoria de qualidade no gasto público, estaria agindo contra os seus interesses; se valorizasse os interesses da sociedade superando com isso as trocas de favores e o prevalecimento do poder pessoal, o governo do centrão estaria ameaçando sua sobrevivência; estaria serrando os frondosos galhos em que está sentado e se fartando” ( José Eduardo Faria in degradação democrática - o Brasil em risco)
https://www.engenhodasletras.com.br/produto/degradacao-democratica-o-brasil-em-risco/042
José Eduardo Faria analisa os problemas da governabilidade política brasileira
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